Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
17/18.9T8CBT.G1
Relator: MARIA JOÃO MATOS
Descritores: EMPREITADA DE CONSTRUÇÃO DE IMÓVEL
DEFEITOS
CADUCIDADE
ÓNUS DA PROVA
INDEMNIZAÇÃO DE DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/22/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
SUMÁRIO (da responsabilidade da Relatora - art. 663.º, n.º 7 do CPC)

I. A actual redacção do art. 1.º-A, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 08 de Abril, abrange, não apenas a empreitada de construção de imóvel, mas também a empreitada de reparação ou modificação respectivas.

II. A qualificação de um contrato como de empreitada de consumo depende do tipo de utilização que se faça do imóvel onde forem realizadas obras, nomeadamente se este se destina a uma utilização profissional (v.g. o exercício de comércio ou de indústria, ou a afectação própria a escritórios), e não a uma utilização não profissional (v.g. habitação própria do dono da obra).

III. Resultando suficientemente da alegação inicial (articulado stricto sensu e documentos com ele juntos) e da discussão da causa (que sobre ambos se debruçou) o facto de «o prédio ou a moradia» onde foram realizadas as obras em causa (expressamente alegado) corresponder à «habitação própria e permanente dos autores», permite-se a sua consideração na decisão final de mérito, nos termos do art. 5.º, n.º 2, al. b), do CPC.

IV. Por força dos princípios da utilidade, da economia e da celeridade processual, o Tribunal ad quem não deve reapreciar a matéria de facto quando o(s) facto(s) concreto(s) objecto da impugnação for(em) insusceptível(eis) de, face às circunstância próprias do caso em apreciação e às diversas soluções plausíveis de direito, ter(em) relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe ser inútil.

V. Na responsabilidade por cumprimento defeituoso, incumbe ao dono da obra a prova da existência dos defeitos e da sua gravidade, e incumbe ao empreiteiro a prova de que a existência daqueles não é imputável à má-execução da obra.

VI. Na indemnização de danos não patrimoniais, apenas poderão ser considerados aqueles que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, isto é, os que afectem profundamente os valores ou interesses da personalidade física ou moral dos lesados.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência (após corridos os vistos legais) os Juízes da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, sendo

Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos;
1.º Adjunto - José Alberto Martins Moreira Dias;
2.º Adjunto - António José Saúde Barroca Penha.
*
ACÓRDÃO

I – RELATÓRIO

1.1. Decisão impugnada

1.1.1. M. P. e mulher, A. C. (aqui Recorrentes), residentes na Rua ..., freguesia ..., em Celorico de Basto, propuseram a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra X - Construções Unipessoal, Limitada (aqui Recorrida), com sede na Rua de …, n.º 10, em … - sendo depois intervenientes principais G.P. Unipessoal, Limitada, com sede na Rua ..., em Fafe, e T. D. - Sociedade de Marmorites, Limitada, com sede em …, freguesia de …, em Fafe (aqui Recorridas), pedindo que

· (a título principal) a Ré fosse condenada a eliminar/suprimir os defeitos registados num imóvel onde realizou obras (que melhor identificaram);

· (subsidiariamente, não sendo a eliminação/supressão dos defeitos possível) a Ré fosse condenada a construir nova obra;

· (subsidiariamente, não sendo a eliminação/supressão dos defeitos possível e não tendo sido realizada nova obra) fosse resolvido o contrato que celebraram com ela, para execução da obra em causa e, em consequência, a Ré fosse condenada a restituir-lhes o montante de € 10.950,00 (por eles prestado na sua execução), acrescido de juros de mora, calculados à taxa supletiva legal, contados desde a citação até integral pagamento;

· (cumulativamente) a Ré fosse condenada a pagar-lhes a quantia de € 2.500,00 (a título de indemnização por danos não patrimoniais), acrescida de juros de mora, calculados à taxa supletiva legal, contados desde a citação até integral pagamento.

Alegaram para o efeito, em síntese, que, dedicando-se a Ré (X - Construções Unipessoal, Limitada) à construção civil, acordaram com ela, em meados de Julho de 2015, a remoção do revestimento exterior da sua moradia e aplicação de um novo, com a cor designada por si, pelo preço global de € 10.950,00.
Mais alegaram que, realizada a obra e pago o preço, em Outubro de 2016 começaram a aparecer fissuras e manchas no revestimento aplicado pela Ré (X - Construções Unipessoal, Limitada), do que lhe deram imediato conhecimento, tendo a mesma prometido resolver/eliminar tais defeitos.
Por fim, os Autores (M. P. e mulher, A. C.) alegaram que, não obstante terem sido realizadas várias diligências com a Ré (X - Construções Unipessoal, Limitada), entre Outubro de 2016 e Setembro de 2017, para solucionar o referido, não se logrou o mesmo, ficando aquela incontactável desde então, o que muito os desgostou.

1.1.2. Regularmente citada, a Ré (X - Construções Unipessoal, Limitada), contestou, pedindo que a acção fosse julgada improcedente, por não provada; ou, subsidiariamente, fosse reconhecida a caducidade do direito dos Autores (M. P. e mulher, A. C.), sendo em qualquer caso absolvida do pedido.
Alegou para o efeito, em síntese, serem os defeitos denunciados pelos Autores (em Abril de 2016, e não em Outubro desse ano) responsabilidade dos mesmos, já que se recusaram a colocar novo reboco, tal como recomendado por quem executou o trabalho.
Mais alegou já se encontrar caducado o direito que aqui pretenderiam exercer, uma vez que, tendo um ano a contar da denúncia dos defeitos para intentarem a presente acção, só o fizeram em Janeiro de 2018.
A Ré (X - Construções Unipessoal, Limitada) requereu ainda a intervenção principal provocada de G.P. Unipessoal, Limitada e de T. D. - Sociedade de Marmorites, Limitada, a quem teria cometido a realização das obras.

1.1.3. Os Autores (M. P. e mulher, A. C.) responderam às excepções deduzidas na contestação, pedindo que fossem julgadas improcedentes.
Reiteraram para o efeito o já alegado na sua petição inicial.

1.1.4. Deferidos os incidentes de intervenção de terceiros deduzidos pela Ré (X - Construções Unipessoal, Limitada), e citadas as Intervenientes Provocadas, as mesmas vieram contestar.

1.1.4.1. A interveniente G.P. Unipessoal, Limitada contestou os autos pedindo que a acção fosse julgada improcedente, por não provada.
Alegou para o efeito, em síntese, que os defeitos em causa nunca lhe foram denunciados, não tendo tal facto sido sequer alegado; e, assim, teria caducado o direito dos Autores (M. P. e mulher, A. C.), já que, não só estaria ultrapassado o prazo de um ano para a sua denúncia quando a acção foi proposta, como igualmente estaria ultrapassado o prazo de um ano após aquela denúncia para a propositura desta.
Mais alegou que a sua intervenção se limitou à colocação de andaimes e à remoção do revestimento exterior, não tendo tido qualquer intervenção na colocação do novo revestimento.

1.1.4.2. A interveniente T. D. - Sociedade de Marmorites, Limitada contestou os autos pedindo que a acção fosse julgada improcedente, por não provada; ou, subsidiariamente, fosse reconhecida a caducidade do direito de regresso da Ré contra si.
Alegou para o efeito, em síntese, ter sido contratada pela Ré (X - Construções Unipessoal, Limitada) para proceder à colocação de novo revestimento no exterior da moradia, trabalho que executou e entregou sem que alguma vez tivesse recebido qualquer denúncia de defeitos.
Defendeu, assim, que o direito de regresso da Ré (X - Construções Unipessoal, Limitada) perante si estaria caducado.
Mais alegou que, a existirem defeitos, teriam ocorrido devido à recusa dos Autores (M. P. e mulher, A. C.) em remover o revestimento degradado e em rebocar as paredes, antes da aplicação do novo marmorite.

1.1.5. Os Autores (M. P. e mulher, A. C.) responderam às excepções deduzidas nas contestações das Intervenientes, pedindo que fossem julgadas improcedentes.
Impugnaram para o efeito os factos em que se fundariam.

1.1.6. Realizada uma audiência prévia, foi proferido despacho: fixando o valor da causa em € 13.450,00; saneador (certificando tabelarmente a validade e a regularidade da instância); definindo o objecto do litígio e enunciando os temas da prova; apreciando os requerimentos probatórios das partes e designando dia para realização da audiência de julgamento.

1.1.7. Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença, julgando a acção totalmente improcedente, lendo-se nomeadamente na mesma:
«(…)
V. Dispositivo
Nestes termos, de acordo com o exposto e segundo os preceitos legais supra citados, julga-se a acção improcedente, por não provada, e, em consequência, absolve-se a Ré “X – Construções Unipessoal, Lda.”, bem como as Intervenientes “G.P. Unipessoal, Lda.” e “T. D. – Sociedade de Marmorites Lda.”, uma vez que figuram na acção como Rés.
*
Custas pelos Autores, cujo decaimento é total.
(…)»
*
1.2. Recurso
1.2.1. Fundamentos

Inconformados com esta decisão, os Autores (M. P. e mulher, A. C.) interpuseram o presente recurso de apelação, pedindo que fosse provido e se revogasse a sentença proferida.

Concluíram as suas alegações da seguinte forma (reproduzindo-se ipsis verbis as respectivas conclusões):

I - Os autores/ recorrentes vieram intentar contra a ré “ X – Construções Unipessoal Lda” acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum pedindo a condenação desta a eliminar os defeitos discriminados no artº 23º da petição inicial.
Na hipótese de não ser entendido que os defeitos não podem ser eliminados, deve a ré ser condenada a construir nova obra.
Na hipótese ainda de os defeitos não serem eliminados e não ter sido realizada nova obra, por recusa da ré, deve ser declarada a resolução do contrato celebrado e devolvido o preço pago de 10.950,00 euros.
Pedem, por último, ser indemnizados a título de danos morais sofridos, na quantia de 2.500,00 euros.

II - Alegaram, para tanto e, em síntese:

- que em meados de Julho de 2015 contrataram com a ré – que se dedica à actividade de construção civil – para esta executar trabalhos de construção civil, na sua moradia, concretamente remover o revestimento exterior da moradia e aplicar novo revestimento com a côr escolhida por si.
- que o preço contratado foi de 10.950,00 euros que foi totalmente pago.
- que em Outubro de 2016 começaram a surgir fissuras e manchas no revestimento aplicado pela ré, tendo os autores denunciado de imediato tais defeitos à ré.
- que entre essa data e Setembro de 2017 foram efectudas várias diligências entre autores e ré para solucionar a questão, o que nunca foi sancionado pela ré, tendo esta ficado incontactável desde Setembro de 2017.

III - Por sua vez, a ré contestou alegando que as manchas denunciadas pelos autores (em Abril de 2016 e não em Outubro de 2016) são da responsabilidade destes últimos, já que se recusam a elaborar novo reboco, tal como recomendado por quem executou o trabalho.
Alega ainda a ré que os autores tinham um ano para intentar a acção mas que só o fizeram em Janeiro de 2018, estando assim o seu direito caducado. Alega, por último, a ré que contratou a “G.P. Unipessoal Lda” e a “T. D.- Sociedade de Marmorites, Lda” para executar os trabalhos contratados pelos autores, pedindo a intervenção destas sociedades na lide.

IV - Admitida a intervenção a título principal das intervenientes “G.P. Unipessoal Lda” e “ T. D. – Sociedade de Marmorites, Lda”, estas apresentaram a sua defesa.

V - A “ G.P. Unipessoal Lda” alegou que os defeitos nunca foram denunciados, nem tal facto foi sequer alegado, estando o prazo de um ano para a denúncia dos defeitos estava já ultrapassado aquando da propositura da acção, bem como o prazo de um ano após a denuncia para a propositura da acção a exigir a eliminação dos defeitos denunciados.
Alega ainda que a sua intervenção se limitou à colocação de andaimes e á remoção do revestimento exterior, não tendo tido qualquer intervenção na colocação do novo revestimento.

VI - A interveniente “ T. D. – Sociedade de Marmorites, Lda” alegou que foi contratada pela ré para proceder à colocação de novo revestimento no exterior da moradia, trabalho que executou e entregou sem ter alguma vez recebido qualquer denúncia de defeito.
Alega ainda que o direito de regresso da ré perante si está caducado. Alega, por último que, a existirem defeitos, estes ocorreram devido à recusa dos autores em remover o revestimento degradado e rebocar as paredes antes da aplicação de novo marmorite.

VII - O Tribunal entendeu dar como provados os seguintes factos:
1) A Ré dedica-se à actividade de construção civil;
2) Em meados de Julho de 2015, os Autores contactaram a Ré para que esta executasse trabalhos de construção civil no prédio urbano dos primeiros, sito na Rua ... nº ..., freguesia ..., concelho de Celorico de Basto, inscrito na matriz sob o artigo … e descrito na Conservatória do Registo Predial, onde está inscrito a favor dos Autores;
3) Após negociações, a Ré obrigou-se a executar na referida moradia os seguintes trabalhos de construção civil:
a. Remover o revestimento exterior existente na moradia;
b. Aplicar novo revestimento com a cor designada pelos Autores.
4) O valor acordado foi de 25,00 € por m²;
5) A Ré obrigou-se ainda a apresentar o alvará de construção e a colocar andaimes certificados, bem como a colocação de pessoal legalmente habilitado;
6) A Ré acordou com a Interveniente “G.P. Unipessoal, Lda.” que esta iria ficar encarregue da remoção do revestimento anterior, trabalho pelo qual a primeira iria pagar à segunda a quantia de 2.000,00 €;
7) A Ré acordou com a Interveniente “T. D. – Sociedade de Marmorites Lda.” que esta iria executar o novo revestimento a marmorite;
8) Ainda durante as negociações a Ré e a Interveniente “G.P. Unipessoal, Lda.” aconselharam os Autores a picar e rebocar as paredes antes de aplicar a marmorite, trabalho que a final não se realizou pois não foi acordado realizar nem incluído no preço;
9) As obras iniciaram-se em 15/10/2015 e terminaram a 17/11/2015;
10) A Interveniente “G.P. Unipessoal, Lda.” procedeu à remoção do revestimento exterior em marmorite existente na moradia durante o mês de Outubro de 2015;
11) Após a remoção do antigo revestimento, a Interveniente “T. D. – Sociedade de Marmorites Lda.” aplicou novo revestimento a marmorite;
12) A 13/11/2015 os Autores entregaram à Ré a quantia de 5.000,00 €;
13) Em 23/11/2015, após a medição da obra, os autores entregaram à ré a quantia de 2.950€ e, ainda, a quantia de 3.000 €;
14) Em Abril de 2016 começaram a surgir fissuras e manchas no revestimento das fachadas da moradia;
15) O Autor comunicou tais ocorrências de imediato, verbalmente, à Ré;
16) A 09/11/2016, o mandatário dos Autores remeteu à Ré carta registada com aviso de recepção com o seguinte teor:
“Conforme várias denúncias de defeitos na obra do m/cliente acima referenciado – fissuras e manchas do revestimento nas fachadas da casa sita na Rua ..., nº ... – … – Celorico de Basto e de várias promessas por parte de V.Exas de que iriam reparar os defeitos, que não se concretizaram, concedo-vos o último prazo de 15 dias para se deslocarem à obra para procederem à regularização e reparação dos defeitos, pelo que deverão contactar nesse prazo e para o efeito, o m/cliente”.
17) A 03/05/2017 o mandatário dos Autores remeteu à Ré carta registada com aviso de recepção com o seguinte teor:
“Ex.mo Senhor A. P.:
Fui informado pelo Sr. M. P. que o senhor obrigou-se a resolver o assunto da denúncia dos defeitos da obra, sendo certo que, até à data ainda não o fez.
Assim sendo, concedo-lhe o último prazo de 15 dias para resolver o assunto”.
18) A 06/05/2017 a Ré respondeu a tal carta, via e-mail com o seguinte teor:
“Bom dia,
Venho acusar a recepção da vossa notificação datada de 03/05/2017 e informar que a mesma possui afirmações que não correspondem à verdade.
Pelo que querendo a minha ajudam terão de esclarecer o pretendido”
19) A 19/05/2017 o mandatário dos Autores respondeu ao referido e-mail pela mesma via, com o seguinte teor:
“Transmiti ao m/cliente o teor do s/email, o qual se mostrou surpreendido. É que o senhor assumiu perante ele a existência dos defeitos na obra – e a sua eliminação – que, alias, são visíveis e notórios.
Assim sendo, caso pretenda resolver o assunto sem ser pela via judicial, agradeço que compareça no m/escritório no próximo dia 26 de Maio de 2017 às 10 horas”.;
20) No dia 26/05/2017, às 10h00, no escritório do mandatário dos Autores, compareceu o representante legal da Ré, A. P., tendo acordado com o Autor a realização de uma vistoria à obra para determinar as suas patologias, a sua extensão e a forma de as eliminar;
21) Ambos acordaram que cada um ia mandatar engenheiro civil da sua confiança para realizar a referida vistoria;
22) Pelos Autores foi indicado o engenheiro civil J. N. e pela Ré o engenheiro civil V. B.;
23) No decurso do mês de Junho de 2017 os indicados engenheiros civis deslocaram-se à obra acompanhados pelos Autores e pela Ré;
24) Nessa data foi identificado o seguinte:
a. Fissuras no revestimento de marmorite;
b. O acabamento final não aderiu às camadas imediatamente subsequentes, pois ao bater nota-se que está descolado;
c. O revestimento final (marmorite) que deveria ter uma cor homogénea, apresenta manchas de várias tonalidades.
25) Também durante a vistoria as partes acordaram que daí a quinze dias iria ser realizada nova deslocação à obra para ser apresentada uma solução técnica que permitisse eliminar os defeitos existentes, que não implicasse a retirada do revestimento existente e a aplicação de novo revestimento;
26) Decorridas cerca de três semanas, foi realizada nova reunião na obra com a presença da Ré, do Autor e dos referidos engenheiros civis;
27) Nessa reunião foi proposto pelo engenheiro civil indicado pelo Autor a execução de uma experiencia com um produto à base de verniz e um corante para ver se se conseguia obter uma cor homogénea da fachada;
28) Em Setembro de 2017 a Ré autorizou a realização de tal experiência em parte da obra nos locais que tinham manchas para aferir se tal solução eliminava as manchas e as fissuras;
29) A experiência realizada não teve sucesso;
30) Após Setembro de 2017 não se realizou qualquer outra diligência entre os Autores e a Ré para solucionar o problema;
31) O mencionado no ponto 24) não pode ser eliminado a não ser através da remoção da marmorite existente e colocação de novo marmorite;
32) O Autor sente-se angustiado e revoltado com a actuação da Ré, sentindo ainda que foi enganado por este;
33) O mencionado no ponto 24) provoca desgosto aos Autores.

VIII - E, como não provados, os seguintes factos:

A) Antes do início dos trabalhos acordados entre Autores e Ré a marmorite existente apresentava manchas gordurosas e de humidade;
B) O valor de 2.050,00 € refere-se a trabalhos acordados pelos Autores directamente com a Interveniente “G.P. Unipessoal Lda.” e efectuados directamente a esta;
C) A Ré e as Intervenientes alertaram o Autor para o facto de não realizar os trabalhos mencionados no ponto 8) poderia resultar no reaparecimento das manchas mencionadas no ponto A);
D) A comunicação mencionada no ponto 15) ocorreu em Outubro de 2016;
E) Após Abril de 2016 a Interveniente “G.P. Unipessoal Lda.” deslocou-se à obra com a Ré para verificar a existência de manchas;
F) A lavagem da marmorite ocorreu após Abril de 2016 e em virtude do Autor considerar que as manchas podiam advir de gordura no marmorite;
G) Quando recebeu a comunicação mencionada no ponto 15) a Ré prometeu reparar as fissuras e manchas mencionadas no ponto 14);
H) A Ré responsabilizou-se pelo descrito no ponto 14);
I) Após receber a carta mencionada no ponto 16) a Ré contactou o Autor, reconhecendo novamente a existência das fissuras e manchas mencionadas no ponto 14) e comprometendo-se a eliminá-las.
J) A Ré foi protelando tal eliminação com o argumento de que, por ora, não tinha trabalhadores disponíveis para tal;
K) O mencionado no ponto 24) ocorreu devido às seguintes causas:
a. Falta de tratamento das fissuras existentes aquando da execução do reboco, através de reboco armado;
b. O revestimento anterior não foi retirado;
c. A espessura aplicada não foi a adequada;
d. A lavagem final do revestimento foi feita com produtos à base de ácido.
L) O mencionado no ponto 24) ocorreu devido às seguintes causas:
a. Humidade existente nas paredes;
b. Falta de aplicação de reboco novo na sua totalidade;
M) A Autora sente-se angustiada e revoltada com a actuação da Ré, sentindo ainda que foi enganada por este.

IX - Os recorrentes discordam da decisão sobre a matéria de facto, considerando incorretamente julgado o seguinte concreto ponto de facto:
- o facto referido em K) sob a alínea d) dos factos não provados: “O mencionado no ponto 24) ocorreu devido às seguintes causas: - A Lavagem final do revestimento foi feita com produtos à base de ácido”.

X - Resulta da prova testemunhal produzida nos autos, bem como do teor das contestações, quer da ré quer dos intervenientes, que foi a chamada “T. D. Sociedade de Marmorite, Lda”, através dos seus trabalhadores, que aplicaram o novo revestimento (marmorite) na moradia dos autores.

XI - Resultou do depoimento da testemunha A. J., (depoimento identificado na acta de audiência de julgamento do dia 30/10/2019, gravado no sistema de gravação digital desde as 00:00:01 a 00:34:33), testemunha indicada pelo interveniente T. D. Sociedade de Marmorite, Lda e que trabalha como marmorista há 7 anos para esta empresa, que foi o aplicador do marmorite na moradia dos autores com mais outros três trabalhadores.

XII - Esta testemunha referiu não têr dúvida que “as paredes estavam prontas a assentar o marmorite”, explicando, de seguida, ao Tribunal a composição do marmorite: “é uma argamassa que se mistura” e depois “se aplica”.
Após a aplicação do marmorite, foi questionado pelo mandatário dos autores, qual era o procedimento seguinte, ao que respondeu “no final de aplicada é lavado no mesmo dia”, “é lavado para tirar a cola” e “ … no dia é lavado só com água…”.

XIII - Perante esta resposta, o mandatário dos autores perguntou à testemunha: “e depois ?”, tendo esta respondido: “ 2 ou 3 dias (depois) é lavado com acido” ….. (imperceptível) …”.

XIV - Não sendo perceptível o nome do acido, o mandatário dos autores, a sugestão da Meritíssima Juiz solicitou à testemunha que soletrasse o nome do acido, letra a letra o que este fez, soletrando as seguintes letras: “……”.

XV - Por sua vez, a outra testemunha indicada pela empresa de marmorite, “T. D. – Sociedade de Marmorites, Lda”, J. C. (depoimento identificado na acta de audiência de julgamento do dia 30/10/2019, gravado no sistema de gravação digital desde as 00:00:01 a 00:20:17) com a categoria de servente nesta empresa e que trabalhou para esta durante meio ano, referiu que trabalhou na aplicação de marmorite na moradia dos autores, dizendo: “quando foram para a obra, já estava pronta para aplicar o marmorite”.
Mais referiu, quando questionado pelo mandatário dos autores que “(o marmorite) foi lavado com água”, confirmando o testemunho de A. J., seu colega de trabalho dizendo que “no final foi lavado com produto”.

XVI - Aquando da sua inquirição, a testemunha J. N. (depoimento identificado na acta de audiência de julgamento do dia 10/09/2019, gravado no sistema de gravação digital desde as 00:00:01 a 01:03:27), engenheiro civil indicado pelos autores, referiu com conhecimento de causa que, uma das causas da existência das manchas e fissuras foi a “lavagem das fachadas com produto corrosivo …”, rematando que “ … não foram utilizadas boas técnicas de construção …”.

XVII - De facto, conforme resulta da “Dissertação para obtenção do Grau de Mestre em Engenharia Civil – Perfil de Construção”, da Faculdade de Ciências e de Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa – Dezembro de 2017, sobre o tema “Marmorite: caracterização e contributo para a sua conservação”, em que foi sua autora, Cláudia Monteiro Martinho, licenciada em Ciência de Engenharia civil, estudo esse que foi evidenciado ao Tribunal nas alegações produzidas pelo mandatário dos autores, “… o revestimento deve ser lavado com água sob pressão e eventualmente com escova de cerdas macias e água” e nunca com ácido.

XVIII - Resulta do exposto o seguinte:
- no final da obra, o marmorite foi lavado com água e, de seguida, com produto à base de ácido;
- segundo as boas técnicas de construção, o revestimento de marmorite, após a sua aplicação, deve somente ser lavado com água.

XIX - O Tribunal recorrido deveria, assim, ter dado como provados os seguintes factos:
- A lavagem final do revestimento foi feita com produto à base de ácido.
- o mencionado no ponto 24) dos factos provados ocorreu devido à lavagem final do revestimento ter sido feito com produto à base de ácido.

XX - Na fundamentação de Direito, a sentença recorrida consignou o seguinte:
“Ficou provado que os defeitos verificados na obra surgiram em Abril de 2016, tendo a denúncia sido feita nessa altura.
Assim, os Autores teriam o prazo de um ano para exercer judicialmente os seus direitos, ou seja, até Abril de 2017.
A presente acção foi proposta a 17 de Janeiro de 2018, ou seja, muito depois do referido prazo.
Alegaram os Autores que a Ré reconheceu o seu direito, pelo que tal reconhecimento impediria a caducidade dos direitos dos primeiros. Porém, este reconhecimento do direito não ficou provado nos autos, sendo que era sobre os Autores que impedia o ónus de tal prova.
Pelo exposto, entre Abril de 2016 e Abril de 2017 não ficou provada a ocorrência de qualquer circunstância que impedisse a caducidade e, assim, esta ocorreu em Abril de 2017.
Diga-se que apenas ficou provado que em Maio de 2017 a Ré respondeu a uma carta enviada pelos Autores, tendo durante período e até Setembro de 2017 ocorrido várias reuniões e tentativas de resolução do litígio.
Esta factualidade poderia, em teoria, configurar uma circunstância impeditiva da caducidade dos direitos dos Autores, já que existe inúmera jurisprudência que defende a possível existência de abuso de direito do empreiteiro ao invocar a caducidade nestes casos (por exemplo, consulte-se o Ac. TRP, Proc. n.º 1614/13.4TJPRT.P1, 16/05/2017).
Todavia, quando ocorreram estes comportamentos por parte da Ré já os direitos dos Autores estavam caducados, não importando então fazer qualquer ponderação do seu valor para o decurso do prazo de caducidade.
Em conclusão, os direitos que os Autores pretendiam exercer na presente acção estão caducados, não podendo pois a Ré ser condenada no seu cumprimento independentemente da sua responsabilidade, o que culmina na sua absolvição quanto a todos os pedidos sem necessidade de discussão de qualquer outra questão de direito.”

XXI - Discorda-se desta fundamentação, conforme se passa a expor.
Aos contratos de empreitada de consumo - empreitada de construção, de reparação ou modificação – aplica-se, para obter a reparação, eliminação ou substituição dos defeitos da obra, a legislação de defesa do consumidor (Decreto-Lei nº 67/2003 de 8 de Abril com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 84/2008, de 21 de Maio e, só subsidiariamente o Código Civil).

XXII - No caso presente, não oferece dúvidas que o contrato de empreitada descrito nos autos foi celebrado entre uma empresa de construção civil (profissional) e um consumidor - sendo aplicável “aos bens de consumo fornecidos no âmbito de um contrato de empreitada” – cfr. artº 1º - A do DL 84/2008 de 21 de Maio.

XXIII - No que respeita ao exercício dos direitos por parte do consumidor, no âmbito da empreitada de consumo, no caso de bem imóvel, a lei contempla três tipos de prazo:
O (1º) prazo de denúncia dos defeitos (isto é, para a declaração/comunicação do dono da obra ao empreiteiro dos vícios ou patologias de que teve conhecimento), o (2º) prazo para o exercício (judicial) dos direitos que legalmente lhe são conferidos (de reparação/eliminação dos defeitos, substituição do bem, redução do preço e resolução do contrato) e o (3º) prazo ou limite máximo da garantia legal de conformidade.
Quanto ao primeiro – denúncia da falta de conformidade –, vale para o caso, no âmbito da empreitada de consumo, não o prazo geral de 30 dias estabelecido no art. 1220º, n.º 1, do CC, mas o prazo de 1 (um) ano fixado para os imóveis, a contar da data em que tiver sido detectado o defeito - cfr. art. 5º-A, n.º 2 do citado DL n.º 67/2003 e art. 1225º, n.º 2 do CC. O dono da obra, para exercer os seus direitos, designadamente o de obter a reparação dos defeitos, nos termos do art. 4º, n.º 1, deve, pois, denunciá-los no prazo de um ano a contar da sua detecção.
Quanto ao segundo prazo - de exercício judicial do(s) direito(s) -, está consagrado o prazo de 3 anos, mas a contar da denúncia (atempada) dos defeitos (cfr. art. 5º-A, n.º 3 do referido DL n.º 67/2003).
Se, apesar de ser efectuada tempestivamente a denúncia, a ação não for instaurada no prazo de três anos a contar da data da denúncia, caducam os direitos atribuídos ao consumidor.
Quanto ao terceiro prazo, dentro do qual o consumidor tem direito a reagir face a manifestação da falta de conformidade do bem, não vale o prazo geral de 2 anos (cfr. art. 1224º, n.º 2, do Cód. Civil) após a entrega da obra, independentemente da data do conhecimento dos defeitos e da sua denúncia, mas o prazo de garantia de 5 anos, a contar da entrega do imóvel (cfr. art. 5º, n.º 1, do DL n.º 67/2003 e art. 1225º, n.º 1, do Cód. Civil) – cfr. entre outros, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 14-02-2019, Proc. 995/16.2T8BGC.G2; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 01-10-2015, Proc. 279/10.0TBSTR, E.1. S1) e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 31- 05-2016, Proc. 721/12.5TCFUN. L1 S1).

XXIV - Resulta de todo o exposto que não ocorreu caducidade para os autores exercerem judicialmente os seus direitos contra a ré.

XXV - Alegam os Autores (consumidores/donos da obra) que a Ré (empreiteira) não cumpriu devidamente a sua prestação contratual, já que a obra executada padece de defeitos graves, devidos a má execução.

XXVI - No contrato de empreitada o principal dever do empreiteiro é a realização de certa obra, em conformidade com o convencionado e sem vícios (arts. 1207º e 1208º, ambos do CC), devendo cumprir pontualmente (art. 406º do CC) e proceder à entrega da obra no prazo estabelecido, quando assim tiver sido acordado.
Segundo o art. 406º, n.º 1 do CC que "o contrato deve ser pontualmente cumprido, e só pode modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei".
O devedor cumpre a obrigação quando realiza, integralmente, a prestação a que está vinculado (art. 762º, n.º 1 e 763º, n.º 1, ambos do CC).

XXVII - O art. 798º do CC prevê que “o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor”.

XXVIII - Nos termos do artº 799º é consagrado uma presunção “iuris tantum” a cargo do devedor ao prescrever que “incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua”.
O citado preceito normativo impõe ao devedor o ónus de prova que “a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua”. Por outras palavras, ao devedor incumbe provar, para se libertar da responsabilidade pelo incumprimento, a impossibilidade superveniente da prestação, por causa que lhe não seja imputável.

XXIX - Assim, ocorre incumprimento defeituoso sempre que o devedor realiza a prestação a que estava adstrito em violação do princípio da pontualidade, ocorrendo uma desconformidade entre a prestação devida e a prestação realizada, que não permite a satisfação adequada do interesse do credor (arts. 799º, n.º 1, 913º e ss. e 1218º e ss. do CC).
A existência de defeitos traduz uma situação de incumprimento defeituoso quando a obra tenha sido feita com deformidades ou com vícios.

XXX - Acresce que, perante a factualidade provada – e independentemente dos factos que, no entender dos recorrentes devem ser dados como provados a saber: A lavagem final do revestimento foi feito com produto à base de ácido; o mencionado no ponto 24) dos Factos Provados ocorreu devido à lavagem final do revestimento ter sido feito com produto à base de ácido; - o certo é que, estão comprovados os defeitos na obra (que foram reconhecidos pela ré empreiteira), e estão discriminados e identificados sob o facto nº 24 dos Factos Provados:
- Fissuras no revestimento de marmorite;
- O acabamento final não aderiu às camadas imediatamente subsequentes, pois ao bater nota-se que está descolado;
- O revestimento final (marmorite) que deveria ter uma cor homogénea, apresenta manchas de várias tonalidades.

XXXI - Ora, na execução do marmorite (argamassa feita em obra pelo empreiteiro) e na sua aplicação, o empreiteiro tem de lançar mão das boas técnicas necessárias à boa execução da obra, o que não sucedeu, tendo dado origem aos defeitos mencionados no ponto 24 dos Factos Assentes.

XXXII - É da responsabilidade do empreiteiro que a obra seja entregue sem defeitos, a não ser que, conforme se disse, o defeito não proceda de culpa sua, o que no caso não resultou provado, o que lhe era exigível – cfr. nº 2 do artº 342º do C. Civil.

XXXIII - De acordo com o artº 2º do DL. 67/2003, o “ vendedor” tem o dever de entregar ao consumidor bens que estejam conforme com o contrato de empreitada celebrado, respondendo o “ vendedor” perante o consumidor por qualquer falta de conformidade que exista no momento em que o bem lhe é entregue – cfr. artº 3º do citado LD.

XXXIV - Em caso de falta de conformidade do bem com o contrato, o consumidor tem o direito de que esta seja reposta sem encargos, por meio de reparação ou de substituição, à redução adequada do preço ou à resolução do contrato – cfr. artº 4º do DL citado.

XXXV - A factualidade provada não deixa dúvidas que os defeitos existem em consequência dos trabalhos de construção civil desenvolvidos pela ré, defeitos esses que não podem ser eliminados a não ser através da remoção do marmorite existente e colocação de novo marmorite.

XXXVI - Ora, o empreiteiro tem o dever de entregar ao consumidor os bens que sejam conformes com o contrato de empreitada, ou seja, sem defeitos e sem vícios. Incumbe ao empreiteiro provar que o cumprimento defeituoso não procedeu de culpa sua o que se verificou as circunstâncias previstas no nº 2 do artº 6º do DL. 67/2003, o que não sucedeu.

XXXVII - Assim sendo, deverá a ré ser condenada a realizar as obras de reparação e eliminação dos defeitos, concretamente através da remoção da marmorite existente e colocação de novo marmorite na moradia dos autores.
Deverá ainda a ré ser condenada a pagar aos autores, em face da matéria de facto provada, o montante de 2.500,00 euros a título de danos morais sofridos.

XXXVIII - A sentença em recurso violou, para além do disposto nos nºs artºs 4 e 5 do artº 607 e nº 2 do artº 608 do C.P.C., entre outras disposições, o disposto nos artsº 331 nº 2, 342 nº 2, 1222, 1225 do C. Civil e o DL nº 67/2003 de 8 de Abril, na redação dada pelo Dl nº 84/2008 de 21 de Maio.
*
1.2.2. Contra-alegações

A (X - Construções Unipessoal, Limitada) e a 2ª Interveniente (T. D. - Sociedade de Marmorites, Limitada) contra-alegaram.
*
1.2.2.1. Contra-alegações da Ré

Nas suas contra-alegações, a (X - Construções Unipessoal, Limitada) pediu que o recurso fosse julgado totalmente improcedente, mantendo-se na íntegra a sentença recorrida.

Concluiu as suas contra-alegações da seguinte forma (reproduzindo-se ipsis verbis as respectivas conclusões):

A) Decorre do disposto no artigo 635.º, n.º 4 do CPC que o objeto e âmbito do recurso são dados pelas conclusões extraídas das alegações apresentadas pelos Recorrentes.

Assim,
A DA CADUCIDADE DO DIREITO À AÇÃO

B) Os Recorrentes nos pontos XXI. e seguintes das conclusões invocam pela primeira vez a aplicação aos autos do Decreto-Lei n.º 67/2003 de 8 de abril com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 84/2008, de 21 de maio.

C) Concluem assim os Recorrentes – conclusão XXII – que “No caso presente, não oferece dúvidas que o contrato de empreitada descrito nos autos foi celebrado entre uma empresa de construção civil (profissional) e um consumidor – sendo aplicável “aos bens de consumo fornecidos no âmbito de um contrato de empreitada” – cfr. artº 1º - A do DL 84/2008 de 21 de Maio”.

D) Sucede que, se atentarmos a PI apresentada pelos Autores nos autos e agora as alegações de recurso, temos que a situação foi configurada pelos mesmos nos seguintes termos:
- artigo 1º “Em meados de Julho de 2015, os autores contactaram o Srº A. P., que se identificou como “patrão” da ré – a qual se dedica à construção civil – para esta lhe executar trabalhos de construção civil no seu prédio urbano, sito na Rua ... nº ..., freguesia ..., concelho de Celorico de Basto, o qual se encontra inscrito na matriz sob o artigo … e descrito na Conservatória do Registo Predial, onde está inscrito a seu favos – cfr doc nº 1 e 2”
- artigo 2º “Após negociações, a ré obrigou-se a executar na referida moradia dos autores, os seguintes trabalhos de construção civil”
- ponto II, § 1 das conclusões “que em meados de Julho de 2015 contrataram com a ré – que se dedica à atividade de construção civil – para executar trabalhos de construção civil, na sua moradia”.

E) Ora, aquando da PI os Autores juntaram aos autos em anexo, sob o documento n.º 1, uma caderneta predial da qual resulta que o prédio “sito na Rua ... nº ..., freguesia ..., concelho de Celorico de Basto, o qual se encontra inscrito na matriz sob o artigo ..” é um prédio em propriedade total com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente.

F) Com efeito, resulta também do referido documento que o rés-do-chão do prédio é afeto ao comércio e o 1.º andar a habitação, sendo que têm ambos exatamente as mesmas áreas privativa e dependente, assim como igual permilagem no conjunto global do edifício e verdade seja dita que, se atendermos à factualidade dada por provada pelo tribunal, da mesma não resulta que o imóvel em causa nos autos fosse destinado a habitação e ainda menos a habitação própria dos Autores.

G) Na verdade, quando os Autores se referem ao imóvel seja na PI ou em sede de alegações de recurso identificam-no apenas como moradia, e até à interposição do presente recurso nunca os Autores se haviam arrogado como consumidores, nem nunca haviam invocado que a empreitada em discussão nos autos seria uma empreitada de consumo.

H) Ora, sobre esta questão já decidiu o Tribunal da Relação do Porto, nomeadamente em acórdão proferido no âmbito do processo n.º 5281/16.5T8MTS.P1 e publicado in www-dgsi.pt e que aqui parcialmente se transcreve:
“Mas deverá a concreta relação contratual discutida nos autos ser qualificada, como o faz a sentença recorrida, de contrato de empreitada de consumo, sendo-lhe, como tal, aplicável o complexo normativo específico do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril?
(…)
A aplicação deste específico regime pressupõe uma relação de consumo entre o dono da obra e o empreiteiro. Essa relação configura-se quando alguém destina a obra a um uso não profissional, sendo a mesma executada por quem exerça com carácter profissional uma determinada actividade económica, onde se compreenda a realização da obra em causa, mediante remuneração (cfr. artigo 2.º, nº 1 da LDC de 24/96 e 1.º-B/a) do Decreto-Lei n.º 67/2003).
É a relação entre estes sujeitos económicos, com presumida desigualdade de experiência, organização e informação entre eles, que transmuta a relação negocial entre eles estabelecida de contrato de empreitada para empreitada de consumo, justificando essa desigualdade a aplicação dum regime especial, protectivo da parte considerada mais débil: o dono da obra.
(…)
Nestas circunstâncias, segundo o mesmo autor, a qualificação do contrato como de empreitada de consumo depende do tipo de utilização das fracções que compõem esse edifício: “Se estas têm maioritariamente um destino de utilização profissional (v.g. o exercício do comércio ou indústria ou escritórios), o contrato relativo à realização das obras nas partes comuns não pode ser qualificado como uma empreitada de consumo. Mas se as fracções que integram o condomínio têm um destino maioritário não profissional (v.g. a habitação) já aquele contrato pode ser qualificado como de empreitada de consumo.”.
A factualidade apurada não esclarece, porque as partes não o alegaram, o destino das fracções que compõem o prédio constituído em regime de propriedade horizontal, representado pelo condomínio Autor.
Debruçando-se sobre situação paralela, escreveu-se no acórdão da Relação do Porto de 08.05.2014[6]: “Perante, esta indefinição, coloca-se a questão de saber sobre quem recaía o ónus de alegar e provar que a maioria das fracções do prédio em causa não se destinavam a utilização profissional.
Dado que o sub-tipo contratual da empreitada de consumo tem normas mais favoráveis à posição contratual do dono da obra (tendo em conta que, em condições normais, será o beneficiado com a aplicação deste regime), era sobre o R/condómino que recaía esse ónus.
Estando perante um regime especial, que afasta as regras do regime geral do Código Civil, as qualidades dos contraentes que permitem estabelecer a relação de consumo têm que se encontrar alegadas e demonstradas no processo, pelo que, desconhecendo-se a que se destinam a maioria das fracções (se estão afectas a habitação ou uso profissional) não é possível qualificar o contrato celebrado como de empreitada de consumo e aplicar-lhes as normas previstas no DL n.º 67/2003”.
Partilhando deste entendimento, e volvendo ao que nestes autos se discute, perante a indefinição, por incumprimento do ónus de alegação que sobre o Autor recaía, do destino da maioria das fracções que compõem o prédio construído pela Ré, ter-se-á se enveredar por idêntica solução, isto é, caracterizar como contrato de empreitada a relação contratual estabelecida entre as partes, arredando a qualificação do sub-tipo contratual de empreitada de consumo, por ausência de demonstração da qualidade de consumidor do dono da obra”.

I) Assim, e conforme já decidiu o Tribunal da Relação do Porto no acórdão acima melhor identificado, considerando que o sub-tipo contratual da empreitada de consumo tem normas mais favoráveis à posição contratual do dono da obra (tendo em conta que, em condições normais, será o beneficiado com a aplicação deste regime), era sobre os Autores que recaía esse ónus - o ónus de demonstrar que atuaram enquanto consumidores, como sendo aqueles a quem são fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos destinados a uso não profissional – cfr. artigo 1.º-B, alínea a) do DL n.º 67/2003, de 8 de abril.

J) Consequentemente, considerando que o regime agora alegado pelo Autores da empreitada de consumo é um regime especial, que afasta as regras do regime geral do Código Civil, as qualidades dos contraentes que permitem estabelecer a relação de consumo teriam que se encontrar alegadas e demonstradas no processo - O que não é o caso.

K) Porquanto, desconhecendo-se a que fim se destina o prédio (se está afeto a uso pessoal ou profissional) não é possível qualificar o contrato celebrado como de empreitada de consumo e aplicar-lhe as normas previstas no DL n.º 67/2003.

L) Neste pressuposto, bem esteve o tribunal a quo ao decidir que:
“(…) Em conclusão, os direitos que os Autores pretendiam exercer na presente acção estão caducados, não podendo pois a Ré ser condenada no seu cumprimento independentemente da sua responsabilidade, o que culmina na sua absolvição quanto a todos os pedidos sem necessidade de discussão de qualquer outra questão de direito”.

Ademais,

M) Pode/deve ainda acrescentar-se, que os Recorrentes ao efetuar tal invocação apenas na instância recursiva, é colocar o tribunal ad quem perante uma questão nova; e, no direito português, os recursos ordinários são de reponderação, visam a reapreciação da decisão proferida dentro dos mesmos condicionalismos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento do seu proferimento, o que significa que o tribunal de recurso não pode pronunciar-se sobre matéria que não foi alegada pelas partes na instância recorrida ou sobre pedidos que nela não foram formulados, o mesmo é dizer, não pode conhecer/julgar questões novas.

N) Assim, por todas as razões aqui supra expostas é a Recorrida do entendimento de que, no que à questão da caducidade do direito à ação diz respeito muito bem decidiu o tribunal a quo pelo que, decidindo pela total improcedência do recurso dos Recorrentes e pela manutenção da douta sentença recorrida se fará Justiça.

Sem prescindir e por mero dever de patrocínio,

B QUANTO À IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

O) No ponto IX das conclusões os Recorrentes alegam que “Os recorrentes discordam da decisão sobre a matéria de facto, considerando incorretamente julgado o seguinte concreto ponto de facto:
- o facto referido em K) sob a alínea d) dos factos não provados: “O mencionado no ponto 24) ocorreu devido às seguintes causas: - A Lavagem final do revestimento foi feita com produtos à base de ácido”.

P) Para os devidos efeitos invocam os Recorrentes os depoimentos prestados pelas testemunhas A. J., J. C. e J. N. e ainda uma dissertação.

Q) Sucede que, é com muito espanto que a Recorrida lê as conclusões apresentadas pelos Recorrentes e supra transcritas.

R) Porquanto, conforme resulta da fundamentação apresentada pelo Tribunal a quo “As causas das patologias mencionadas no ponto 24) ficaram por apurar uma vez que cada parte e cada testemunha trouxe a sua versão aos autos, apresentando uma panóplia variada de razões que poderiam ter levado à ocorrência do descrito no ponto 24)”.

S) Mais esclarece o tribunal a quo que “nem o Tribunal se pode basear em suposições nem pode, a menos que tenha um motivo objectivo para tal, conferir maior credibilidade a uma teoria que a outra”.

T) Ora, quanto aos pontos supra identificados e cuja alteração pretendem os Recorrentes seja agora efetuada pelo Tribunal de 2.ª instância cumpre apenas referir que é função primordial de qualquer juiz, tanto daquele que na 1ª instância preside à audiência, como daquele que, em instância de recurso, tem por missão a reapreciação da decisão proferida, depois de reponderados os meios de prova efetivamente decidir da matéria de facto, sendo que importa que a decisão da matéria de facto traduza o resultado de uma apreciação crítica e analítica dos meios de prova, essencialmente daqueles que estão sujeitos à livre apreciação do Tribunal.

U) Com efeito, é o Tribunal a quo que na sua fundamentação esclarece que perante as provas constantes dos autos “o Tribunal não consegue aferir a origem das manchas e fissuras. Nestes casos, era necessária a realização de uma perícia que pudesse esclarecer este ponto” e “Não tendo disponível um relatório pericial que traduza uma opinião imparcial, não é possível ao Tribunal aderir a uma tese ou outra”.

V) A este título veja-se a jurisprudência já plasmada pelo Supremo Tribunal de Justiça no âmbito do processo n.º 2290/04 – 0TBBCL.G1. S1 e publicado in www.dgsi.pt, de acordo com o qual:

“(…) 3) De acordo com as regras do artigo 342.º do Código Civil o ónus da prova recai sobre ambos os litigantes, devendo o autor provar os factos constitutivos do direito que alega, sendo que o réu terá de provar os factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito que aquele invoca.
(…)
5) Na responsabilidade contratual uma presunção legal “tantum juris” da culpa do contraente faltoso, mas é sobre o contraente cumpridor que recai o ónus da prova dos restantes pressupostos: violação contratual, dano e nexo causal.
6) O juízo de causalidade numa perspectiva meramente naturalística de apuramento da relação causa-efeito, insere-se no plano puramente factual insindicável pelo Supremo Tribunal de Justiça, nos termos e com as ressalvas dos artigos 729.°, n.° 1 e 722.º , n.°2 do Código de Processo Civil” (negrito nosso).

W) Ou seja e continua aquele tribunal dizendo que:
“Estamos perante um contrato de empreitada (…).
Do elenco dos factos provados resulta terem sido verificadas as deficiências/defeitos dos n.ºs 14 a 24, sendo que o Acórdão recorrido condenou o Réu a proceder à respectiva reparação (à excepção do nº 22).
Certo é que, tratando-se de responsabilidade contratual, há presunção legal de culpa do contraente faltoso, nos termos do n.º 1 do artigo 799.º do Código Civil.
Daí que o demandante, ao beneficiar dessa presunção ”juris tantum” não tenha que provar os factos conducentes à demonstração daquele nexo de imputação subjectiva, “ex vi” do n.º 1 do artigo 350.º do mesmo diploma, invertendo-se outrossim, o “ónus probandi” - n.º 1, 1.ª parte, do artigo 344.º (cf. Prof. Vaz Serra, “Provas”, BMJ, 112-128 e ss.).
Porém, tal não bastaria para concluir pela responsabilidade do empreiteiro.
É que, o demandante terá sempre de demonstrar os outros pressupostos daquele tipo de responsabilidade: violação contratual, dano (ou prejuízo) e nexo causal, assim e nos termos do n.º 1 do artigo 342.º do Código Civil.
Trata-se da aplicação do princípio “actor incumbit probatio; reus in exipiendo fit actor”.
O ónus da prova recai, assim, sobre ambos os litigantes, devendo o autor provar os factos constitutivos do direito que alega ter, sendo que o réu terá de provar os factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito que aquele invoca.
Não se trata de repartir o encargo da prova em atenção à qualidade do facto probando mas à posição na lide daquele que o invoca, sempre ressalvando (e no que ora releva) o citado disposto no n.º 1 do artigo 344.º da lei civil. (cf. Prof. Vaz Serra, “Provas”, BMJ 112-269/270)” (negrito nosso).

X) Neste pressuposto, resulta da factualidade dada por provada e por não provada nos autos, assim como da fundamentação vertida na douta sentença pelo tribunal a quo que não foi possível ao tribunal estabelecer o nexo causal entre os danos e uma qualquer atuação violadora da Ré e por isso a única solução seria e foi, dar por não provada a factualidade vertida no ponto K), alínea d) da factualidade não provada.

Y) Com efeito, o tribunal fez uma análise crítica de toda a prova carreada aos autos pelas partes e apesar de efetivamente os Recorrentes terem invocado diversos trechos dos depoimentos das testemunhas, assim como uma dissertação, nenhum deles é prova suficiente para aferir e permitir ao tribunal formar uma opinião imparcial sobre a origem das manchas e fissuras, até porque na verdade, nenhum diz afirma o que os Recorrentes pretendem ter por provado.

Z) Aliás, como é sabido, a prova de um facto não resulta, regra geral, de um só depoimento ou parte dele, ou de um só documento mas da conjugação de todos os meios de prova carreados para os autos, sendo que o Tribunal a quo, conforme decorre da sua fundamentação, teve em consideração e análise as teorias de todos os intervenientes nos autos mesmo quando “apresentadas por pessoas com conhecimentos técnicos na área”.

AA) Contudo, entendeu ainda assim o Tribunal que não estava cumprido o ónus da prova que recaia sobre os Autores no sentido de que deveriam ter sido os Autores a provar os factos constitutivos do direito que alegam ter.

AB) À verdade dos factos, e considerando as diversas teorias e divergências posicionais nos autos, decidiu, e diga-se bem, o Tribunal que os factos constitutivos do direito que os Autores alegam ter, apenas poderiam ter sido provados por uma opinião imparcial, mas que nunca foi carreada para os autos até porque os Autores não requereram que fosse realizada uma perícia por entidade terceira.

AC) Assim, porque dos depoimentos indicados pelos Recorrentes, contrariamente à sua pretensão ou interpretação alargada, não resulta prova em contrário que permita decidir de forma diferente quanto aos factos constantes do ponto K), alínea d) dos factos dados por não provados, porque os Autores não cumpriram o ónus da prova que sobre eles impende, sempre deverá ser a mesma mantida nos exatos termos em que foi decidida, porquanto, bem andou o Tribunal a quo ao dar a mesma por não provada.

AD) Pelo que, também quanto às conclusões IX a XIX, deverá o recurso dos Recorrentes ser julgado totalmente improcedente.
*
1.2.2.2. Contra-alegações da 2.ª Interveniente

Nas suas contra-alegações, a 2.ª Interveniente (T. D. - Sociedade de Marmorites, Limitada) pediu que fosse negado provimento ao recurso e, em consequência, fosse mantida a sentença recorrida.

Concluiu as suas contra-alegações da seguinte forma (reproduzindo-se ipsis verbis as respectivas conclusões):

6.44 - Por todas as razões expostas, para além de outras que este Venerando Tribunal em seu alto critério há-de proficientemente suprir, se julgarão improcedentes as conclusões alinhadas nas alegações de recurso, sufragando-se a fundamentação de facto e de direito doutamente plasmada na decisão recorrida, e bem assim tudo o mais decidido, que deverá ser integralmente mantido, designadamente:
A) Julgado infundado e improcedente o alegado erro de julgamento da matéria de facto;
B) Julgado infundado e improcedente o alegado erro na aplicação do direito.
*
II - QUESTÕES QUE IMPORTA DECIDIR

2.1. Objecto do recurso - EM GERAL

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, ambos do CPC), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art. 608.º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art. 663.º, n.º 2, in fine, ambos do CPC).

Não pode igualmente este Tribunal conhecer de questões novas (que não tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de prévias decisões judiciais (destinando-se, por natureza, à sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação).
*
2.2. QUESTÕES CONCRETAS a apreciar

Mercê do exposto, 03 questões foram submetidas à apreciação deste Tribunal:

1.ª - Fez o Tribunal a quo uma errada interpretação e aplicação do direito, nomeadamente porque não se mostra caducado o direito que os Autores aqui pretendem exercer (já que lhe é aplicável o regime especial do contrato de empreitada de consumo, previsto no Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril, e não o regime geral do CC) ?

2.ª - Fez o Tribunal a quo uma errada interpretação e valoração da prova produzida, nomeadamente porque a mesma

. impunha que se desse como demonstrado o facto não provado enunciado na sentença recorrida sob a alínea K), d. («O mencionado no ponto 24) ocorreu devido às seguintes causas: d. A lavagem final do revestimento foi feita com produtos à base de ácido»)?

3.ª - Deverá ser alterada a decisão de mérito proferida (nomeadamente, face ao prévio sucesso da impugnação de facto feita), por forma a que se julgue a acção totalmente procedente ?
*
Precisa-se, e a propósito da determinação do regime legal aplicável à verificação da alegada caducidade do direito dos Autores (o consagrado no art. 1225.º do CC, como inicialmente o defenderam nos autos, ou nos arts. 5.º e 5.º-A, do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 08 de Abril, como vieram depois - de forma inédita - defender nas suas alegações de recurso), que não se considera consubstanciar a mesma «questão nova», de que este Tribunal ad quem estaria impedido de conhecer.
Com efeito, resulta expressamente do art. 5.º, n.º 3 do CPC, que o «juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito» (embora só possa fundar a sua decisão nos factos previamente articulados pelas partes, ou que resultem da instrução da causa, ou que sejam notórios, tudo nos termos do n.º 2 do art. 5.º citado).

Precisa-se ainda que, vindo eventualmente este Tribunal ad quem a considerar aplicável aos autos o regime do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 08 de Abril, não consubstanciará a sua decisão qualquer decisão-surpresa (proibida pelo art. 3.º, n.º 3 do CPC), uma vez que, tendo essa possibilidade sido suscitada pelos Autores em sede de alegações de recurso, a Ré e as Intervenientes provocadas tiveram oportunidade de a contraditarem nas respectivas contra-alegações (como de facto o fizeram).
Por outras palavras, o «juiz pode decidir uma questão com base numa norma não invocada pelas partes (art. 5º, nº 3), mas não sem que antes estas tenham tido a possibilidade de se pronunciar sobre esse enquadramento jurídico (nº 3 ora comentado). Esta possibilidade só pode surgir depois de a potencial relevância da norma para a decisão resultar clara na ação. Para tanto, se necessário, o tribunal deverá proporcionar um contraditório específico sobre a questão. Isto vale para a decisão liminar, como vale para o despacho saneador, como vale para a sentença final» (Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, Volume I, 2013, Almedina, Outubro de 2012, págs. 27 e 28).
Ora, este imperativo contraditório específico já se mostra assegurado.
*
III - QUESTÃO PRÉVIA - Caducidade

3.1. Conhecimento de caducidade – Momento

3.1.1. Lê-se no art. 663.º, n.º 2 do CPC que o «acórdão principia pelo relatório, em que se enunciam sucintamente as questões a decidir no recurso, expõe de seguida os fundamentos e conclui pela decisão, observando-se, na parte aplicável, o preceituado nos artigos 607.º a 612.º».
Mais se lê, no art. 608.º, n.º 2 do CPC, que o «juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras».
*
3.1.2. Concretizando, tendo sido invocada pela Ré recorrida (X - Construções Unipessoal, Limitada) a caducidade dos direitos que os Autores (M. P. e mulher, A. C.) aqui pretendiam exercer (derivados de alegados defeitos verificados em obra sua, efectuada por ela), sendo a mesma reconhecida na sentença recorrida, e sendo agora impugnada no recurso dela interposto, deverá ser apreciada de imediato, e de forma prévia às restantes questões objecto de sindicância, já que, sendo verificada, poderá impedir o conhecimento das demais (neste sentido, Ac. da RL, de 29.10.2015, Olindo Geraldes, Processo n.º 161/09.3TCSNT.L1-2, in www.dgsi.pt, como todos os demais citados sem indicação de origem).
*
3.2. Caducidade do exercício de direitos resultantes de má execução de obra (em edifício ou outro imóvel destinado por sua natureza a longa duração)

3.2.1. Regime geral - CC
3.2.1.1. Denúncia de defeitos

Lê no art. 1220.º do CC que o «dono da obra deve, sob pena de caducidade dos direitos conferidos nos artigos seguintes, denunciar ao empreiteiro os defeitos da obra dentro dos trinta dias seguintes ao seu descobrimento» (n.º 1), equivalendo «à denúncia o reconhecimento, por parte do empreiteiro, da existência do defeito» (n.º 2).
«Este artigo procura eliminar num prazo curto os problemas que possam levantar-se quanto à responsabilidade do empreiteiro, e dar a este a possibilidade de fazer os “acertos oportunos, que após o decurso de certo tempo podem não ser viáveis”» (Rubino, citado por Fernando Andrade Pires de Lima e João de Matos Antunes Varela, Código Civil Anotado, II Volume, 3.ª edição, Coimbra Editora, Limitada, 1986, pág. 819).
Logo, «a denúncia foi estabelecida a favor do vendedor e do empreiteiro para eles se certificarem da existência dos defeitos e poderem agir prontamente, substituindo a prestação ou eliminado as desconformidades. Está, por conseguinte, em causa uma razão de celeridade e de segurança jurídica» (Pedro Romano Martinez, Cumprimento Defeituoso Em Especial Na Compra e Venda e Na Empreitada, Colecção Teses, Almedina, 1994, pág. 371, bold apócrifo).

Mais se lê, no art. 1225.º do CC que, «se a empreitada tiver por objecto a construção, modificação ou reparação de edifícios ou outros imóveis destinados por sua natureza a longa duração e (…) a obra, (…) por erros na execução dos trabalhos, (…) apresentar defeitos» (n.º 1), a denúncia dos mesmos «deve ser feita no prazo de um ano» (n.º 2).
Para se determinar se o imóvel, sobre o qual incide a obra, é considerado de longa duração, deve atender-se à sua utilização corrente, de acordo com a sua estrutura e os materiais que o compõem e não à finalidade concreta a que o dono da obra o destina. É um juízo objectivo que deve presidir a esta qualificação» (João Cura Mariano, Responsabilidade Contratual do Empreiteiro Pelos Defeitos da Obra, Almedina, pág. 130, com bold apócrifo) (1).

Consagra-se, assim, um regime especial de protecção do dono da obra, visando responsabilizar o empreiteiro por defeitos que apenas se manifestem após a sua entrega, durante um determinado período de tempo (por se reconhecer que poderia ser difícil ou demorada a sua descoberta), mediante um aumento de duração dos prazos de denúncia dos defeitos (face ao regime geral, do art. 1220.º, n.º 1, citado, de apenas 30 dias).
Considerou-se que «os perigos especiais dos defeitos de construção de edifícios e de outros imóveis que se destinem a ser conservados por um longo período de tempo, a longa duração e a maior dificuldade em descobrir aqueles vícios parecem ser motivos justificativos de alguns desvios às regras gerais sobre responsabilidade do empreiteiro por defeitos da obra» (Pedro Romano Martinez, ob.cit., págs. 418 e 419). Logo, este «prolongamento teve em consideração que, neste tipo de obras, a percepção dos defeitos se dilata no tempo, visando permitir a concentração dos actos de denúncia dos diversos defeitos que ao longo do tempo se vão conhecendo» (João Cura Mariano, Responsabilidade Contratual do Empreiteiro Pelos Defeitos da Obra, Almedina, pág. 132).

A lei não exige qualquer forma especial para a denúncia de defeitos. É de admitir, portanto, qualquer das modalidades de declaração negocial, previstas no art. 217.º do CC (expressa ou tácita). Como declaração de vontade unilateral, será válida independentemente da forma que revista (art. 219.º do CC); e será eficaz logo que chegue ao poder da contraparte empreiteiro, ou seja dela conhecida (art. 224.º, n.º 1 do CC).
A denúncia dos defeitos é, deste modo, um ónus, já que, não estando dono da obra obrigado a indicar ao empreiteiro as desconformidades encontradas, se o não fizer verá caducar os direitos que a lei confere face às mesmas.
*
3.2.1.2. Exercício dos direitos (resultantes dos defeitos oportunamente denunciados)

Lê-se no art. 1225.º do CC, novamente pertinente a «edifícios ou outros imóveis destinados por sua natureza a longa duração», que, perante os defeitos oportunamente denunciados, «a indemnização deve ser pedida no ano seguinte à denúncia» (n.º 2), o que é também aplicável «ao direito à eliminação dos defeitos, previstos no art. 1221º» (n.º 3).
Logo, para que o dono da obra possa fazer valer os seus direitos em juízo, resultantes da má execução da obra, previstos os arts. 1221., 1222.º e 1223º, todos do CC, não lhe basta denunciar os defeitos da mesma dentro do prazo de um ano a contar do seu conhecimento. Terá ainda de intentar a competente acção judicial para os fazer valer no ano seguinte, sob pena de caducidade do seu direito.
*
3.2.1.3. Prazo limite de exercício (dos direitos resultantes dos defeitos oportunamente denunciados)

Lê-se no art. 1225.º, n.º 1 do CC, e sempre tendo em conta esta particular hipótese de «edifícios ou outros imóveis destinados por sua natureza a longa duração», que o exercício dos direitos referidos (condicionado à sua oportuna denúncia) terá obrigatoriamente que ocorrer «no decurso de cinco anos a contar da entrega, ou no decurso do prazo de garantia convencionado», desde que superior.
Logo, independentemente da data de conhecimento dos defeitos e da sua denúncia, caduca qualquer um dos direitos do dono da obra se não for exercido no prazo de cinco anos, após a entrega da obra para exame.
Responsabiliza-se, assim, o empreiteiro por defeitos que apenas se manifestem após a entrega do «edifício ou outro imóvel destinados por sua natureza a longa duração», durante um determinado período de tempo, por se reconhecer que poderia ser difícil ou demorada a sua descoberta.
«Entendeu-se, por presunção juris et de jure, que este é o tempo suficiente para o dono da obra tomar conhecimento de todos os defeitos e entendeu-se mais que ele tem o dever de, dentro desse prazo, examinar cuidadosamente a obra e descobrir os defeitos que ela eventualmente tenha. Pode suceder que o dono da obra não tenha, de facto, possibilidade de descobrir o defeito dentro do prazo de caducidade fixado na lei. Tratar-se-á, porém, de casos excepcionais que têm de ser sacrificados, em nome do interesse geral da segurança das relações, ao regime jurídico que melhor convém à grande generalidade das situações» (Fernando Andrade Pires de Lima e João de Matos Antunes Varela, ob. cit., pág. 825).
«A garantia, portanto, não se destina a assegurar uma certa duração à obra visto que o imóvel terá de durar muito mais de cinco anos, mas a facilitar ao comitente um meio prático e muito eficiente de obter uma prestação correcta e sem vícios. A sua duração limitada é devida à natureza e fins da garantia: assegurar certas qualidades essenciais da prestação já aceite, sem estender ilimitadamente a álea do empreiteiro» (Rosendo Dias José, Responsabilidade Civil do Construtor de Imóveis, Livraria Petrony, Lisboa, 1981, págs. 39 e 40).
*
3.2.2. Regime especial - Contrato de empreitada de consumo

Lê-se no art. 1.º-A do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 08 de Abril (preceito aditado pelo Decreto-Lei n.º 84/2008, de 21 de Maio), que o «presente decreto-lei é aplicável aos contratos de compra e venda celebrados entre profissionais e consumidores» (n.º 1), sendo ainda «aplicável, com as necessárias adaptações, aos bens de consumo fornecidos no âmbito de um contrato de empreitada ou de outra prestação de serviços, bem como à locação de bens de consumo».
O Decreto-Lei n.º 67/2003, de 08 de Abril, foi editado pela necessidade de transposição para o ordenamento jurídico português da Directiva n.º 1999/44/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Maio, que teve por objectivo a aproximação das disposições dos Estados membros da União Europeia sobre certos aspectos da venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas; e, como ele próprio expressamente esclarece, é apenas aplicável a «contratos celebrados entre profissionais e consumidores».
Compreende-se, por isso, que se leia, no seu art. 1.º-B (preceito de novo aditado pelo Decreto-Lei n.º 84/2008, de 21 de Maio), que se considera: «Consumidor», «aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios, nos termos do n.º 1 do artigo 2.º da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho» (al. a); «Bem de consumo», «qualquer bem imóvel ou móvel corpóreo, incluindo os bens em segunda mão» (al. b); «Vendedor», «qualquer pessoa singular ou colectiva que, ao abrigo de um contrato, vende bens de consumo no âmbito da sua actividade profissional» (al. c); «Garantia legal», «qualquer compromisso ou declaração assumido por um vendedor ou por um produtor perante o consumidor, sem encargos adicionais para este, de reembolsar o preço pago, substituir, reparar ou ocupar-se de qualquer modo de um bem de consumo, no caso de este não corresponder às condições enumeradas na declaração de garantia ou na respectiva publicidade» (al. f); «Garantia voluntária», «qualquer compromisso ou declaração, de carácter gratuito ou oneroso, assumido por um vendedor, por um produtor ou por qualquer intermediário perante o consumidor, de reembolsar o preço pago, substituir, reparar ou ocupar-se de qualquer modo de um bem de consumo, no caso de este não corresponder às condições enumeradas na declaração de garantia ou na respectiva publicidade» (g); e «Reparação, «em caso de falta de conformidade do bem, a reposição do bem de consumo em conformidade com o contrato» (al. h).
Compreende-se, ainda, que se afirme que, se «aplicação deste específico regime pressupõe uma relação de consumo entre o dono da obra e o empreiteiro», é precisamente «a relação entre estes sujeitos económicos, com presumida desigualdade de experiência, organização e informação entre eles, que transmuta a relação negocial entre eles estabelecida de contrato de empreitada para empreitada de consumo, justificando essa desigualdade a aplicação dum regime especial, protectivo da parte considerada mais débil: o dono da obra» (Ac. da RP, de 27.06.2019, Judite Pires, Processo n.º 5281/16.5T8MTS.P1, com bold apócrifo).

Mais se lê, no art. 4.º do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 08 de Abril, que «em caso de falta de conformidade do bem com o contrato, o consumidor tem direito a que esta seja reposta sem encargos, por meio de reparação ou de substituição, à redução adequada do preço ou à resolução do contrato» (n.º 1); «tratando-se de um bem imóvel, a reparação ou a substituição devem ser realizadas dentro de um prazo razoável, tendo em conta a natureza do defeito, e tratando-se de um bem móvel, num prazo máximo de 30 dias, em ambos os casos sem grave inconveniente para o consumidor» (n.º 2).
Defende-se assim, que a actual redacção do art. 1.º-A, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 08 de Abril, abrange, não apenas a empreitada de construção, mas também a empreitada de reparação ou modificação.
Com efeito, entendimento diverso faria com que a alteração legislativa de 2008, apesar de significativa em termos de redacção, perdesse muito do seu significado prático (2); e não se descortinam razões substantivas que justifiquem que o diploma abranja a empreitada de edifício novo - o que é entendimento unânime -, mas não a intervenção em edifício pré-existente (3).

Lê-se ainda, no art. 5.º, n.º 1, do mesmo diploma, que o «consumidor pode exercer os direitos previstos no artigo anterior quando a falta de conformidade se manifestar dentro de um prazo de dois ou de cinco anos a contar da entrega do bem, consoante se trate, respectivamente, de coisa móvel ou imóvel».
Por fim, lê-se no art. 5.º-A, que: os «direitos atribuídos ao consumidor nos termos do artigo 4.º caducam no termo de qualquer dos prazos referidos no artigo anterior e na ausência de denúncia da desconformidade pelo consumidor, sem prejuízo do disposto nos números seguintes» (n.º 1); para «exercer os seus direitos, o consumidor deve denunciar ao vendedor a falta de conformidade num prazo de dois meses, caso se trate de bem móvel, ou de um ano, se se tratar de bem imóvel, a contar da data em que a tenha detectado» (n.º 2); caso «o consumidor tenha efectuado a denúncia da desconformidade, tratando-se de bem móvel, os direitos atribuídos ao consumidor nos termos do artigo 4.º caducam decorridos dois anos a contar da data da denúncia e, tratando-se de bem imóvel, no prazo de três anos a contar desta mesma data».

Logo, também aqui encontramos três prazos: um primeiro prazo, de denúncia dos defeitos (isto é, para a declaração/comunicação do dono da obra ao empreiteiro dos vícios ou patologias de que teve conhecimento); um segundo prazo, de exercício (judicial) dos direitos que legalmente são conferidos ao dono da obra (de reparação/eliminação dos defeitos, substituição do bem, redução do preço e resolução do contrato); e um terceiro prazo, de limite máximo da garantia legal de conformidade.
Contudo, e face ao regime consagrado no CC para os edifícios ou imóveis destinados por sua natureza a longa duração, reforçou-se a protecção do consumidor, já que, não obstante o prazo de denúncia de defeitos registados em imóvel ser o mesmo em ambos os diplomas (de um ano), bem como de garantia legal (de cinco anos), alargou-se significativamente o prazo de exercício judicial de direitos (de um ano, para três anos).
Precisa-se ainda que, aqui, o prazo de cinco anos consagrado no art. 5.º, n.º 1 citado, é um prazo de «manifestação de defeitos» e não de «exercício de direitos», já que funciona efectivamente como um prazo de garantia.
Com efeito, fixa «o período em que a falta de conformidade se deve manifestar e não a data limite para o exercício dos direitos do dono da obra consumidor, como sucede com iguais prazos consagrados no regime geral do contrato de empreitada (arts. 1224º, n.º 2 e 1225º, n.º 1, do CC). Enquanto neste último regime os prazos de 2 e 5 anos são prazos de caducidade, cujo termo determina a extinção dos direitos do dono da obra, os prazos de igual duração consignados no art. 5º, n.º 1, do DL n.º 67/2003, são prazos de garantia, que fixam o lapso de tempo durante o qual a manifestação duma falta de conformidade faz surgir na esfera jurídica do dono da obra consumidor os respectivos direitos» (João Cura Mariano, Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos defeitos da obra, 6.ª edição, Almedina, 2015, pág. 263).
Compreende-se, por isso, que se afirme que, «se o defeito apenas surge ou é conhecido pelo consumidor/dono do prédio após o decurso do prazo de garantia, já não poderá ser exercido o direito de denúncia da ação, sob pena do vendedor/construtor ficar indefinidamente sujeito à obrigação de reparar o vício, sendo certo que foi exactamente essa vinculação indefinida que o legislador pretendeu evitar com a fixação de um prazo de garantia» (Ac. do STJ, de 14.01.2014, Moreira Alves, Processo n.º 378/07.5TBLNH.L1.S1).
Já se, pelo contrário, o defeito apenas se tornar conhecido no período final do prazo de garantia (de cinco anos), mas antes deste se esgotar, então o dono da obra dispõe do prazo de um ano, a partir do seu conhecimento, para exercer o direito de denúncia; e de outros três anos, subsequentes àquela denúncia, para exercer o direito de acção.
Logo, nas relações de consumo, após o dia de entrega da obra, o prazo máximo para o exercício dos direitos do dono da obra consumidor é de 9 anos para os bens imóveis (5 anos + 1 ano + 3 anos) (4). Trata-se de um sistema de múltiplos prazos de caducidade: prazo para a detecção do defeito (cinco anos), prazo da denúncia da desconformidade (um ano) e prazo para o exercício dos direitos (três anos).

Este regime de protecção do consumidor é imperativo, lendo-se no art. 10.º do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 08 de Abril, que, sem «prejuízo do regime das cláusulas contratuais gerais, é nulo o acordo ou cláusula contratual pelo qual antes da denúncia da falta de conformidade ao vendedor se excluam ou limitem os direitos do consumidor previstos no presente diploma» (n.º 1), sendo aplicável a esta nulidade «o disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 16.º da Lei nº 24/86, de 31 de Julho» (n.º 2).
*
3.2.3. Caso concreto (subsunção do Direito aplicável)

3.2.3.1. Código Civil

Concretizando, verifica-se que, tendo a Ré (X - Construções Unipessoal, Limitada) alegado desde logo na sua contestação a caducidade do direito dos Autores (M. P. e mulher, A. C.), logrou prová-la, à luz do regime legal consagrado para o efeito no CC, único cuja aplicação os mesmos tinham reclamado nos seus articulados, e único que o Tribunal a quo considerou aplicável.
Com efeito, lê-se expressamente na sentença recorrida (alicerçada para o efeito em factos, provados e não provados, neste particular destituídos de sindicância):
«(…)
Ficou provado que os defeitos verificados na obra surgiram em Abril de 2016, tendo a denúncia sido feita nessa altura.
Assim, os Autores teriam o prazo de um ano para exercer judicialmente os seus direitos, ou seja, até Abril de 2017.
A presente acção foi proposta a 17 de Janeiro de 2018, ou seja, muito depois do referido prazo.
Alegaram os Autores que a Ré reconheceu o seu direito, pelo que tal reconhecimento impediria a caducidade dos direitos dos primeiros. Porém, este reconhecimento do direito não ficou provado nos autos, sendo que era sobre os Autores que impedia o ónus de tal prova.
Pelo exposto, entre Abril de 2016 e Abril de 2017 não ficou provada a ocorrência de qualquer circunstância que impedisse a caducidade e, assim, esta ocorreu em Abril de 2017.
Diga-se que apenas ficou provado que em Maio de 2017 a Ré respondeu a uma carta enviada pelos Autores, tendo durante período e até Setembro de 2017 ocorrido várias reuniões e tentativas de resolução do litígio.
Esta factualidade poderia, em teoria, configurar uma circunstância impeditiva da caducidade dos direitos dos Autores, já que existe inúmera jurisprudência que defende a possível existência de abuso de direito do empreiteiro ao invocar a caducidade nestes casos (por exemplo, consulte-se o Ac. TRP, Proc. n.º 1614/13.4TJPRT.P1, 16/05/2017).
Todavia, quando ocorreram estes comportamentos por parte da Ré já os direitos dos Autores estavam caducados, não importando então fazer qualquer ponderação do seu valor para o decurso do prazo de caducidade.
Em conclusão, os direitos que os Autores pretendiam exercer na presente acção estão caducados, não podendo pois a Ré ser condenada no seu cumprimento independentemente da sua responsabilidade, o que culmina na sua absolvição quanto a todos os pedidos sem necessidade de discussão de qualquer outra questão de direito.
(…)»

Dir-se-á que o Tribunal a quo aplicou correctamente o regime legal em causa, aos factos previamente (e definitivamente) fixados para o efeito, o que nem os Autores (M. P. e mulher, A. C.) contestam, centrando a sua discordância num outro e distinto aspecto, isto é, a aplicação aos autos do regime do contrato de empreitada de consumo.
Com efeito, e face ao mesmo, o seu direito não se encontraria caducado, por o prazo de exercício judicial dos direitos resultantes dos defeitos oportunamente denunciados (como reconhecidamente foi o caso) ser de três anos (e não apenas de um).
*
3.2.3.2. Decreto-Lei n.º 67/2003, de 08 de Abril

Concretizando novamente, reconhece-se que os Autores (M. P. e mulher, A. C.) se limitaram, na sua petição inicial (bem como nos seus articulados posteriores) a referir o imóvel dos autos como «seu prédio urbano» (v.g. artigo 1.º da petição inicial) e «moradia dos autores» (v.g. artigo 2.º da petição inicial), sem que, em parte alguma, referissem a utilização feita do imóvel, nomeadamente afirmando destiná-lo e utilizá-lo para habitação sua, própria e permanente (e não para qualquer outra destinação lucrativa, nomeadamente para arrendamento a terceiros).
Mais se verifica que, junta cópia da caderneta predial respectiva, resulta da mesma que o prédio se encontra em propriedade total, com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, sendo o seu rés-do-chão afecto a comércio e o seu 1.º andar a habitação; e terem ambos exactamente as mesmas áreas privativa e dependente, bem como a mesma e igual permilagem no conjunto global do edifício.
Logo, nem os Autores reclamaram (ainda que conclusivamente) a sua condição de consumidores (na relação contratual de empreitada em causa, que também não reclamaram de empreitada de consumo), nem da sua alegação expressa (em sede de articulados próprios) resulta taxativamente o não uso profissional da moradia/do prédio onde foram realizadas as obras; e não poderia o mesmo presumir-se sem outro apoio.
*
Dir-se-á ainda que se consideraria insuficiente para este efeito a mera designação de «moradia», uma vez que, se é certo que assim se designa «casa de habitação, lugar onde se mora ou permanece», igual a «domicílio, morada, residência», igualmente assim se designa «casa isolada, geralmente com algum espaço ao redor, destinada a habitação», igual a vivenda (5).
Logo, e comumente, a expressão apenas descreve (de forma naturalística) a materialidade de um imóvel edificado de forma individualizada, que constitui uma construção autónoma (por contraposição, ou distinguindo-o, de um apartamento, em edifício de habitação múltipla), dotado de entradas independentes, por meio de logradouros, quintais ou jardins. Trata-se, aqui, de uma acepção descritiva/naturalística da coisa corpórea, sem qualquer concreta referência à sua destinação/utilização, que é o conceito exigido para a relação de consumo.
Dir-se-á, igualmente, que se considera insuficiente para o mesmo efeito a singela indicação de que parte da moradia (mais precisamente uma das duas fracções que a compõem, conforme resulta da caderneta predial respectiva) se destina a habitação (enquanto que a outra, exactamente igual em área e permilagem, se destina a comércio), porque a dita habitação pode ser proporcionada a terceiros de forma profissional (nomeadamente, por meio de arrendamento que constitua a actividade lucrativa e exclusiva do seu proprietário).

Ora, se a qualificação do contrato como de empreitada de consumo depende do tipo de utilização que se faça do imóvel onde forem realizadas as obras, quando as mesmas tenham sido realizadas em fracções que compõem um edifício, compreende-se que se afirme: «Se estas têm maioritariamente um destino de utilização profissional (v.g. o exercício do comércio ou indústria ou escritórios), o contrato relativo à realização das obras nas partes comuns não pode ser qualificado como uma empreitada de consumo. Mas se as fracções que integram o condomínio têm um destino maioritário não profissional (v.g. a habitação) já aquele contrato pode ser qualificado como de empreitada de consumo» (João Cura Mariano, Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, 2.ª edição, Almedina, pág. 207 e 211).
Estando-se, assim, «perante um regime especial, que afasta as regras do regime geral do Código Civil, as qualidades dos contraentes que permitem estabelecer a relação de consumo têm que se encontrar alegadas e demonstradas no processo, pelo que, desconhecendo-se a que se destinam a maioria das fracções (se estão afectas a habitação ou a uso profissional) não é possível qualificar o contrato celebrado como de empreitada de consumo e aplicar-lhes as normas previstas no DL n.º 67/20032» (Ac. da RP, de 08.05.2014, Leonel Serôdio, Processo n.º 298/11.9TBPFR.P1) (6).

Tendo essa expressa alegação inicial dos Autores (M. P. e mulher, A. C.) ficado por fazer, e tendo-se como não colmatada posteriormente nos autos, bem como não realizada a posterior prova por eles (7), decidiu o Tribunal a quo como não podendo os mesmos beneficiar do regime de caducidade aplicável aos direitos que possuem como donos de obra com defeitos, consagrado no Decreto-Lei n.º 67/2003, de 08 de Abril; e, por isso, aplicou-lhes o regime geral fixado para o mesmo efeito pelo CC.
*
Contudo, e salvo o devido respeito por opinião contrária, dir-se-á que, não obstante a alegação dos Autores (M. P. e mulher, A. C.) não tenha, de facto, sido expressa, não deixou de resultar dos autos, nomeadamente da sua instrução, destinarem os mesmos a moradia onde foram realizadas as obras pela Ré (X - Construções Unipessoal, Limitada) e pelas Intervenientes provocadas à sua habitação própria e permanente.

Com efeito, os Autores (M. P. e mulher, A. C.) indicam logo na sua petição inicial nela residirem, sendo essa igualmente a morada indicada como sua na procuração que outorgaram ao Ilustre Mandatário que aqui os patrocina.
Prosseguindo, nas facturas que desde logo juntaram aos autos (com o seu articulado inicial), emitidas pela Ré (X - Construções Unipessoal, Limitada), lê-se: «Cliente M. P.»; «Morada: Rua ... n.º ..». Logo, não só é a própria Ré a reconhecer por escrito que os Autores já então ali residiam, como é naquela residência que realiza a obra em causa.
Já em carta enviada pelo Ilustre Mandatário dos Autores à Ré (X - Construções Unipessoal, Limitada), de 09 de Janeiro de 2016, também ela anexa à petição inicial, denunciando-lhe fissuras e manchas no revestimento da obra realizada, se afirma que as mesmas se verificam na «casa sita na Rua ..., .., Celorico de Basto», isto é, naquela referida antes como constituindo a morada dos Autores.
Por fim, e em sede de documentos juntos com a petição inicial, no relatório de vistoria à obra, executado por encomenda dos Autores (M. P. e mulher, A. C.), afirma-se reportar-se a «edifício localizado na Rua ... n.º ..., freguesia ..., concelho de Celorico de Basto»; e, na «descrição do edifício», refere-se que se trata «de um edifício localizado na Rua ... n.º ..., freguesia ..., concelho de Celorico de Basto, implantado junto à estrada nacional e junto ao largo da feira», sendo que no «rés-do-chão deste edifício encontra-se implantado um estabelecimento comercial, café, o restante edifício destina-se à habitação do requerente».
Ora, se é certo que os documentos particulares não emitidos pela Ré (X - Construções Unipessoal, Limitada) foram por ela impugnados, certo é que essa impugnação não contendeu com este preciso teor, mas sim com a afirmação de que a obra padeceria de defeitos e que os mesmos lhe eram imputáveis.

Prosseguindo uma vez mais, e agora em sede de contestação apresentada por ela, verifica-se que a Ré (X - Construções Unipessoal, Limitada) reconhece no seu artigo 2.º ter sido contratada pelos Autores (M. P. e mulher, A. C.) para realização de trabalhos num prédio destinado a comércio e habitação, nomeadamente para remover o revestimento existente na habitação, sito na …, Celorico de Basto.

Dir-se-á, assim, que o facto de «o prédio ou a moradia» onde foram realizadas as obras em causa corresponder à «habitação própria e permanente dos Autores» resultou suficientemente da alegação destes (na sua petição inicial, incluindo articulado stricto sensu e documentos com ela juntos) e da discussão da causa (que sobre ambos se debruçou), permitindo por isso a sua consideração, nos termos do art. 5.º, n.º 2, al. b), do CPC (com oportuno aditamento ao elenco dos factos provados).
Com efeito, lê-se no mesmo que, além «dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz» os «factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar».
Ora, «tal formulação acentua que não haverá preclusão quanto a factos que, embora essenciais, sejam complementares ou concretizadores (isto é, factos que, embora necessários para a procedência das pretensões, não têm uma função individualizadora do tipo legal). No âmbito dos factos essenciais, é possível distinguir dois planos, isto é, factos essenciais nucleares e factos essenciais complementares e concretizadores. Os “nucleares” constituem o núcleo primordial da causa de pedir ou da excepção, desempenhando uma função individualizadora ou identificadora, a ponto de a respectiva omissão implicar a ineptidão da petição inicial ou a nulidade da excepção. Já os “complementares” e os “concretizadores”, embora também integrem a causa de pedir ou a excepção, não têm já uma função individualizadora. Assim, os factos complementares são os completadores de uma causa de pedir (ou de uma excepção) complexa, ou seja, uma causa de pedir (ou uma excepção) aglutinadora de diversos elementos, uns constitutivos do seu núcleo primordial, outros complementando aquele. Por sua vez, os factos concretizadores têm por função pormenorizar a questão fáctica exposta sendo, exactamente, essa pormenorização dos factos anteriormente alegados que se torna fundamental para a procedência da acção (ou da excepção)» (Paulo Pimenta, «Os Temas da Prova», e-Book do CEJ - com bold apócrifo -, acessível em http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/ProcessoCivil/Texto_comunicacao_Paulo_Pimenta.pdf) (8).
Precisa-se que a consideração destes factos essenciais complementares ou concretizadores que hajam resultado da discussão da causa tem hoje (com o actual CPC, e ao contrário do que sucedia com o art. 264.º, n.º 3 do CPC anterior (9)) natureza oficiosa: se «isso não afasta a iniciativa da parte interessada, não é exigida a sua concordância para o efeito. Para Teixeira de Sousa, a solução de prescindir da concordância da parte “é orientada pela busca da verdade em processo, entendendo-se que nada pode justificar que a parte possa impedir o tribunal de utilizar na sua actividade decisória um facto de que o tribunal tem conhecimento” (https://blogippc.blogspot.pt)».
Logo, os «factos que sejam confessados por alguma das partes (em depoimento de parte ou em declarações de parte) serão obviamente considerados, tal como o devem ser os resultantes de outros meios de prova. Unicamente se exige que sobre os mesmos ou sobre a sua atendibilidade na sentença seja exercido o contraditório, atento o disposto nos arts. 3º, nº 3, e 5º, nº 2, al. b)» (António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, O Código de Processo Civil Anotado, Volume I, Almedina, 2018, pág. 28) (10).
Relativamente à concreta natureza desse «contraditório», discute-se se o mesmo estará assegurado com a mera possibilidade da sua actuação pelas partes (v.g. em sede de audiência final) (11), ou deverá ser objecto deve convite formal e expresso no sentido da sua actuação (v.g. anunciando-lhes a intenção do Tribunal vir a aproveitar o facto complementar e/ou concretizador que resultou da discussão, na sua decisão, convidando-as a pronunciarem-se sobre ele) (12).
Tendo presente as cada vez maiores preocupações com a descoberta da verdade material (v.g. arts. 6.º, n.º 1, in fine, e 411.º, ambos do CPC) e a estrutura contraditória de todo o processo civil português (nomeadamente, das audiências prévia e final), temos como suficiente que esteja assegurado às partes o exercício de contraditório sobre os novos factos complementares ou concretizadores, e não que seja exigível que sobre eles, ou sobre a sua consideração na futura decisão de mérito, sejam expressamente convidadas a pronunciarem-se.

Ora, assente que da instrução da causa resultou destinar-se o local onde foi realizada a obra em causa a habitação própria e permanente dos Autores (M. P. e mulher, A. C.), dúvidas não restam de que a dita moradia não se destina a um uso profissional, mas sim ao uso particular daqueles.
Assente ainda que este facto foi objecto de contraditório (nomeadamente, em sede de audiência final, momento por excelência de contraditório absoluto), e que a possibilidade da sua consideração foi debatida em sede de recurso (impedindo futura e eventual decisão-surpresa), pode ser aqui objecto de consideração; e, por isso, permite a c dos Autores como consumidores, e a qualificação da empreitada dos autos como de consumo (13).
*
Resta, então, concluir que, tendo a denúncia dos alegados defeitos sido realizada pelos Autores em tempo oportuno (Abril de 2016), também oportunamente estes exerceram em juízo os direitos que deles resultavam para si (17 de Janeiro de 2018), já que o fizeram antes de terem decorrido os três anos que a lei lhes impunha para o efeito (contados da dita denúncia).

Improcede, deste modo, a excepção da caducidade do direito dos Autores (M. P. e mulher, A. C.), impondo a revogação nessa parte da sentença recorrida; e a apreciação, nesta sede, do mérito da causa (art. 665.º, n.º 2 do CPC).
*
IV - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

4.1. Decisão de Facto do Tribunal de 1.ª Instância
4.1.1. Factos Provados

Realizada a audiência de julgamento no Tribunal de 1.ª Instância, resultaram provados os seguintes factos, aditando-se ainda um outro - 4’ -, nos termos do art. 5.º, n.º 2, al. b), do CPC (aqui explicável ex vi 663.º, n.º 2, in fine, do mesmo diploma):

1 - X - Construções Unipessoal, Limitada (aqui Ré) dedica-se à actividade de construção civil.

2 - Em meados de Julho de 2015, M. P. e mulher, A. C. (aqui Autores) contactaram a Ré (X - Construções Unipessoal, Limitada) para que esta executasse trabalhos de construção civil num seu prédio urbano, sito na Rua ... nº ..., freguesia ..., concelho de Celorico de Basto, inscrito na matriz sob o artigo 262 e descrito na Conservatória do Registo Predial, onde está inscrito a seu favor.

3 - Após negociações, a Ré (X - Construções Unipessoal, Limitada) obrigou-se a executar na referida moradia os seguintes trabalhos de construção civil:
a. Remover o revestimento exterior existente na moradia;
b. Aplicar novo revestimento com a cor designada pelos Autores.

4 - O valor acordado foi de € 25,00 por m².

4 -’ O prédio / a moradia referidos nos factos anteriores constituía a habitação própria dos Autores.

5 - A Ré (X - Construções Unipessoal, Limitada) obrigou-se ainda a apresentar o alvará de construção e a colocar andaimes certificados, bem como a colocação de pessoal legalmente habilitado.

6 - A Ré (X - Construções Unipessoal, Limitada) acordou com G.P. Unipessoal, Limitada (aqui 1.ª Interveniente) que esta iria ficar encarregue da remoção do revestimento anterior, trabalho pelo qual a primeira iria pagar à segunda a quantia de € 2.000,00.

7 - A Ré (X - Construções Unipessoal, Limitada) acordou com T. D. - Sociedade de Marmorites, Limitada (aqui 2.ª Interveniente) que esta iria executar o novo revestimento a marmorite.

8 - Ainda durante as negociações a Ré (X - Construções Unipessoal, Limitada) e a 1.ª Interveniente (G.P. Unipessoal, Limitada) aconselharam os Autores (M. P. e mulher, A. C.) a picar e rebocar as paredes antes de aplicar a marmorite, trabalho que a final não se realizou (pois não foi acordado realizar, nem incluído no preço).

9 - As obras iniciaram-se em 15 de Outubro de 2015; e terminaram a 17 de Novembro de 2015.

10 - A 1.ª Interveniente (G.P. Unipessoal, Limitada) procedeu à remoção do revestimento exterior em marmorite existente na moradia durante o mês de Outubro de 2015.

11 - Após a remoção do antigo revestimento, a 2.ª Interveniente (T. D. - Sociedade de Marmorites, Limitada) aplicou novo revestimento a marmorite.

12 - A 13 de Novembro de 2015, os Autores (M. P. e mulher, A. C.) entregaram à Ré (X - Construções Unipessoal, Limitada) a quantia de € 5.000,00.

13 - Em 23 de Novembro de 2015, após a medição da obra, os Autores (M. P. e mulher, A. C.) entregaram à Ré (X - Construções Unipessoal, Limitada) a quantia de € 2.950,00 e, ainda, a quantia de € 3.000,00.

14 - Em Abril de 2016 começaram a surgir fissuras e manchas no revestimento das fachadas da moradia.

15 - O Autor (M. P.) comunicou tais ocorrências de imediato, verbalmente, à Ré (X - Construções Unipessoal, Limitada).

16 - Em 09 de Novembro de 2016, o Mandatário dos Autores (M. P. e mulher, A. C.) remeteu à Ré (X - Construções Unipessoal, Limitada) carta registada com aviso de recepção com o seguinte teor:
«(…)
Conforme várias denúncias de defeitos na obra do m/cliente acima referenciado – fissuras e manchas do revestimento nas fachadas da casa sita na Rua ..., nº ... – … – Celorico de Basto e de várias promessas por parte de V.Exas de que iriam reparar os defeitos, que não se concretizaram, concedo-vos o último prazo de 15 dias para se deslocarem à obra para procederem à regularização e reparação dos defeitos, pelo que deverão contactar nesse prazo e para o efeito, o m/cliente.
(…)»

17 - A 03 de Maio de 2017, o Mandatário dos Autores (M. P. e mulher, A. C.) remeteu à Ré (X - Construções Unipessoal, Limitada) carta registada com aviso de recepção com o seguinte teor:
«(…)
Ex.mo Senhor A. P.:
Fui informado pelo Sr. M. P. que o senhor obrigou-se a resolver o assunto da denúncia dos defeitos da obra, sendo certo que, até à data ainda não o fez.
Assim sendo, concedo-lhe o último prazo de 15 dias para resolver o assunto.
(…)»

18 - Em 06 de Maio de 2017, a Ré (X - Construções Unipessoal, Limitada) respondeu a tal carta, via e-mail com o seguinte teor:
«(…)
Bom dia,
Venho acusar a recepção da vossa notificação datada de 03/05/2017 e informar que a mesma possui afirmações que não correspondem à verdade.
Pelo que querendo a minha ajuda terão de esclarecer o pretendido.
(…)»

19 - Em 19 de Maio de 2017, o Mandatário dos Autores (M. P. e mulher, A. C.) respondeu ao referido e-mail pela mesma via, com o seguinte teor:
«(…)
Transmiti ao m/cliente o teor do s/email, o qual se mostrou surpreendido. É que o senhor assumiu perante ele a existência dos defeitos na obra – e a sua eliminação – que, aliás, são visíveis e notórios.
Assim sendo, caso pretenda resolver o assunto sem ser pela via judicial, agradeço que compareça no m/escritório no próximo dia 26 de Maio de 2017 às 10 horas.
(…)»

20 - No dia 26 de Maio de 2017, às 10h00, no escritório do Mandatário dos Autores (M. P. e mulher, A. C.), compareceu o representante legal da Ré (X - Construções Unipessoal, Limitada), A. P., tendo acordado com o Autor a realização de uma vistoria à obra para determinar as suas patologias, a sua extensão e a forma de as eliminar.

21 - Ambos acordaram que cada um ia mandatar engenheiro civil da sua confiança para realizar a referida vistoria.

22 - Pelos Autores (M. P. e mulher, A. C.) foi indicado o engenheiro civil J. N., e pela Ré (X - Construções Unipessoal, Limitada) o engenheiro civil V. B..

23 - No decurso do mês de Junho de 2017 os indicados engenheiros civis deslocaram-se à obra acompanhados pelos Autores (M. P. e mulher, A. C.) e pela Ré (X - Construções Unipessoal, Limitada).

24 - Nessa data foi identificado o seguinte:
a. Fissuras no revestimento de marmorite;
b. O acabamento final não aderiu às camadas imediatamente subsequentes, pois ao bater nota-se que está descolado;
c. O revestimento final (marmorite) que deveria ter uma cor homogénea, apresenta manchas de várias tonalidades.

25 - Também durante a vistoria as partes acordaram que daí a quinze dias iria ser realizada nova deslocação à obra para ser apresentada uma solução técnica que permitisse eliminar os defeitos existentes, que não implicasse a retirada do revestimento existente e a aplicação de novo revestimento.

26 - Decorridas cerca de três semanas, foi realizada nova reunião na obra com a presença da Ré (X - Construções Unipessoal, Limitada), do Autor (M. P.) e dos referidos engenheiros civis.

27 - Nessa reunião, foi proposto pelo engenheiro civil indicado pelo Autor (M. P.) a execução de uma experiência com um produto à base de verniz e um corante, para ver se se conseguia obter uma cor homogénea da fachada.

28 - Em Setembro de 2017, a Ré (X - Construções Unipessoal, Limitada) autorizou a realização de tal experiência em parte da obra nos locais que tinham manchas, para aferir se tal solução eliminava as manchas e as fissuras.

29 - A experiência realizada não teve sucesso.

30 - Após Setembro de 2017, não se realizou qualquer outra diligência entre os Autores (M. P. e mulher, A. C.) e a Ré (X - Construções Unipessoal, Limitada) para solucionar o problema.

31 - O mencionado no ponto 24) não pode ser eliminado, a não ser através da remoção da marmorite existente e colocação de novo marmorite.

32 - O Autor (M. P.) sente-se angustiado e revoltado com a actuação da Ré (X - Construções Unipessoal, Limitada), sentindo ainda que foi enganado por ela.

33 - O mencionado no ponto 24) provoca desgosto aos Autores (M. P. e mulher, A. C.).
*
4.1.2. Factos não provados

Na mesma decisão, o Tribunal de 1.ª Instância considerou que não se provaram os seguintes factos:

A) Antes do início dos trabalhos acordados entre Autores (M. P. e mulher, A. C.) e Ré (X - Construções Unipessoal, Limitada), a marmorite existente apresentava manchas gordurosas e de humidade.

B) O valor de € 2.050,00 refere-se a trabalhos acordados pelos Autores (M. P. e mulher, A. C.) directamente com a 1.ª Interveniente (G.P. Unipessoal Lda.) e efectuados directamente por esta.

C) A Ré (X - Construções Unipessoal, Limitada) e as Intervenientes alertaram o Autor (M. P.) para o facto de não realizar os trabalhos mencionados no ponto 8) poderia resultar no reaparecimento das manchas mencionadas no ponto A).

D) A comunicação mencionada no ponto 15) ocorreu em Outubro de 2016.

E) Após Abril de 2016, a 1.ª Interveniente (G.P. Unipessoal, Limitada) deslocou-se à obra com a Ré (X - Construções Unipessoal, Limitada) para verificar a existência de manchas.

F) A lavagem da marmorite ocorreu após Abril de 2016, e em virtude do Autor (M. P.) considerar que as manchas podiam advir de gordura no marmorite.

G) Quando recebeu a comunicação mencionada no ponto 15), a Ré (X - Construções Unipessoal, Limitada) prometeu reparar as fissuras e manchas mencionadas no ponto 14).

H) A Ré (X - Construções Unipessoal, Limitada) responsabilizou-se pelo descrito no ponto 14).

I) Após receber a carta mencionada no ponto 16), a Ré (X - Construções Unipessoal, Limitada) contactou o Autor (M. P.), reconhecendo novamente a existência das fissuras e manchas mencionadas no ponto 14) e comprometendo-se a eliminá-las.

J) A Ré (X - Construções Unipessoal, Limitada) foi protelando tal eliminação com o argumento de que, por ora, não tinha trabalhadores disponíveis para tal.

K) O mencionado no ponto 24) ocorreu devido às seguintes causas:
a. Falta de tratamento das fissuras existentes aquando da execução do reboco, através de reboco armado;
b. O revestimento anterior não foi retirado;
c. A espessura aplicada não foi a adequada;
d. A lavagem final do revestimento foi feita com produtos à base de ácido.

L) O mencionado no ponto 24) ocorreu devido às seguintes causas:
a. Humidade existente nas paredes;
b. Falta de aplicação de reboco novo na sua totalidade.

M) A Autora (A. C.) sente-se angustiada e revoltada com a actuação da Ré (X - Construções Unipessoal, Limitada), sentindo ainda que foi enganada por ela.
*
4.2. Modificabilidade da decisão de facto

4.2.1. Incorrecta apreciação da prova legal - Poder (oficioso) do Tribunal da Relação

Lê-se no art. 607.º, n.º 5 do CPC que o «juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto», de forma consentânea com o disposto no CC, nos seus art. 389.º (para a prova pericial), art. 391.º (para a prova por inspecção) e art. 396.º (para a prova testemunhal).
Contudo, a «livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes» (II parte, do n.º 5, do art. 607.º do CPC citado).

Mais se lê, no art. 662.º, n.º 1 do CPC, que a «Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa».
Logo, quando os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas, a dita modificação da matéria de facto - que a ela conduza - constitui um dever do Tribunal de Recurso, e não uma faculdade do mesmo (o que, de algum modo, também já se retiraria do art. 607.º, n.º 4 do CPC, aqui aplicável ex vi do art. 663.º, n.º 2 do mesmo diploma).
Estarão, nomeadamente, aqui em causa, situações de aplicação de regras vinculativas extraídas do direito probatório material (regulado, grosso modo, no CC), onde se inserem as regras relativas ao ónus de prova, à admissibilidade dos meios de prova, e à força probatória de cada um deles, sendo que qualquer um destes aspectos não respeita apenas às provas a produzir em juízo.
Quando tais normas sejam ignoradas (deixadas de aplicar), ou violadas (mal aplicadas), pelo Tribunal a quo, deverá o Tribunal da Relação, em sede de recurso, sanar esse vício; e de forma oficiosa. Será, nomeadamente, o caso em que, para prova de determinado facto tenha sido apresentado documento autêntico - com força probatória plena - cuja falsidade não tenha sido suscitada (arts. 371.º, n.º 1 e 376.º, n.º 1, ambos do CC), ou quando exista acordo das partes (art. 574.º, n.º 2 do CPC), ou quando tenha ocorrido confissão relevante cuja força vinculada tenha sido desrespeitada (art. 358.º do CC, e arts. 484.º, n.º 1 e 463.º, ambos do CPC), ou quando tenha sido considerado provado certo facto com base em meio de prova legalmente insuficiente (vg. presunção judicial ou depoimentos de testemunhas, nos termos dos arts. 351.º e 393.º, ambos do CC).
Ao fazê-lo, tanto poderá afirmar novos factos, como desconsiderar outros (que antes tinham sido afirmados).
*
4.2.2. Incorrecta livre apreciação da prova

4.2.2.1. Âmbito da sindicância (provocada) do Tribunal da Relação

Lê-se no n.º 2, als. a) e b), do art. 662.º citado, que a «Relação deve ainda, mesmo oficiosamente»: «Ordenar a renovação da produção da prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade de depoente ou sobre o sentido do seu depoimento» (al. a); «Ordenar, em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova» (al. b)».
«O actual art. 662.º representa uma clara evolução [face ao art. 712.º do anterior CPC] no sentido que já antes se anunciava. Através dos n.ºs 1 e 2, als. a) e b), fica claro que a Relação tem autonomia decisória, competindo-lhe formar e fundar a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis.
(…) Afinal, nestes casos, as circunstâncias em que se inscreve a sua actuação são praticamente idênticas às que existiam quando o tribunal de 1ª instância proferiu a decisão impugnada, apenas cedendo nos factores de imediação e da oralidade. Fazendo incidir sobre tais meios probatórios os deveres e os poderes legalmente consagrados e que designadamente emanam dos princípios da livre apreciação (art. 607.º, n.º 5) ou da aquisição processual (art. 413.º), deve reponderar a questão de facto em discussão e expressar de modo autónomo o seu resultado: confirmar a decisão, decidir em sentido oposto ou, num plano intermédio, alterar a decisão num sentido restritivo ou explicativo» (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, págs. 225-227).
É precisamente esta forma de proceder da Relação (apreciando as provas, atendendo a quaisquer elementos probatórios, e indo à procura da sua própria convicção), que assegura a efectiva sindicância da matéria de facto julgada, assim se assegurando o duplo grau de jurisdição relativamente à matéria de facto em crise (conforme Ac. do STJ, de 24.09.2013, Azevedo Ramos, comentado por Teixeira de Sousa, Cadernos de Direito Privado, nº 44, pág. 29 e ss.).
*
4.2.2.2. Modo de operar o duplo grau de jurisdição - Ónus de impugnação

Contudo, reconhecendo o legislador que a garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto «nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência», mas, tão-somente, «detectar e corrigir pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento» (preâmbulo do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro), procurou inviabilizar a possibilidade de o recorrente se limitar a uma genérica discordância com o decidido, quiçá com intuitos meramente dilatórios.
Com efeito, e desta feita, «à Relação não é exigido que, de motu próprio, se confronte com a generalidade dos meios de prova que estão sujeitos à livre apreciação e que, ao abrigo desse princípio, foram valorados pelo tribunal de 1ª instância, para deles extrair, como se se tratasse de um novo julgamento, uma decisão inteiramente nova. Pelo contrário, as modificações a operar devem respeitar em primeiro lugar o que o recorrente, no exercício do seu direito de impugnação da decisão de facto, indicou nas respectivas alegações que servem para delimitar o objecto do recurso», conforme o determina o princípio do dispositivo (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pág. 228, com bold apócrifo).
Lê-se, assim, no art. 640.º, n.º 1 do CPC que, quando «seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnada diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas».
Precisa-se ainda que, quando «os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados», acresce àquele ónus do recorrente, «sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes» (al. a), do n.º 2, do art. 640.º citado).
Logo, deve o recorrente, sob cominação de rejeição do recurso, para além de delimitar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar, deixar expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada; e esta última exigência (contida na al. c), do n.º 1, do art. 640.º citado), «vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar a interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente», devendo ser apreciada à luz de um critério de rigor (14) enquanto «decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes», «impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo» (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pág. 129, com bold apócrifo).
Dir-se-á mesmo que as exigências legais referidas têm uma dupla função: não só a de delimitar o âmbito do recurso, mas também a de conferir efectividade ao uso do contraditório pela parte contrária (pois só na medida em que se sabe especificamente o que se impugna, e qual a lógica de raciocínio expendido na valoração/conjugação deste ou daquele meio de prova, é que se habilita a contraparte a poder contrariá-lo).
Por outras palavras, se o dever - constitucional (art. 205.º, n.º 1 da CRP) e processual civil (arts.154.º e 607.º, n.ºs 3 e 4, do CPC) - impõe ao juiz que fundamente a sua decisão de facto, por meio de uma análise crítica da prova produzida perante si, compreende-se que se imponha ao recorrente que, ao impugná-la, apresente a sua própria. Logo, deverá apresentar «um discurso argumentativo onde, em primeiro lugar, alinhe as provas, identificando-as, ou seja, localizando-as no processo e tratando-se de depoimentos a respectiva passagem e, em segundo lugar, produza uma análise crítica relativa a essas provas, mostrando minimamente por que razão se “impunha” a formação de uma convicção no sentido pretendido» por si (Ac. da RP, de 17.03.2014, Alberto Ruço, Processo n.º 3785/11.5TBVFR.P1).
*
4.2.2.3. Carácter instrumental da impugnação da decisão de facto

Veio, porém, a jurisprudência precisar ainda que a impugnação da decisão de facto não se justifica a se, de forma independente e autónoma da decisão de mérito proferida, assumindo antes um carácter instrumental face à mesma.
Com efeito, a «impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, consagrada no artigo 685.º-B [do anterior CPC], visa, em primeira linha, modificar o julgamento feito sobre os factos que se consideram incorrectamente julgados. Mas, este instrumento processual tem por fim último possibilitar alterar a matéria de facto que o tribunal a quo considerou provada, para, face à nova realidade a que por esse caminho se chegou, se possa concluir que afinal existe o direito que foi invocado, ou que não se verifica um outro cuja existência se reconheceu; ou seja, que o enquadramento jurídico dos factos agora tidos por provados conduz a decisão diferente da anteriormente alcançada. O seu efectivo objectivo é conceder à parte uma ferramenta processual que lhe permita modificar a matéria de facto considerada provada ou não provada, de modo a que, por essa via, obtenha um efeito juridicamente útil ou relevante» (Ac. da RC, de 24.04.2012, António Beça Pereira, Processo n.º 219/10.6T2VGS.C1, com bold apócrifo).
Logo, por força dos princípios da utilidade, economia e celeridade processual, o Tribunal ad quem não deve reapreciar a matéria de facto «quando o(s) facto(s) concreto(s) objecto da impugnação for insusceptível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação e às diversas soluções plausíveis de direito, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente», convertendo-a numa «pura actividade gratuita ou diletante» (conforme Ac. da RC, de 27.05.2014, Moreira do Carmo, Processo n.º 1024/12.0T2AVR.C1).
Por outras palavras, se, «por qualquer motivo, o facto a que se dirige aquela impugnação for, "segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito", irrelevante para a decisão a proferir, então torna-se inútil a actividade de reapreciar o julgamento da matéria de facto, pois, nesse caso, mesmo que, em conformidade com a pretensão do recorrente, se modifique o juízo anteriormente formulado, sempre o facto que agora se considerou provado ou não provado continua a ser juridicamente inócuo ou insuficiente.
Quer isto dizer que não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objecto da impugnação não for susceptível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, antemão, ser inconsequente, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processual consagrados nos artigos 2.º n.º 1, 137.º e 138.º.» (Ac. da RC, de 24.04.2012, António Beça Pereira, Processo n.º 219/10.6T2VGS.C1, com bold apócrifo) (15).
*
4.2.2.4. Defeitos (existência e causa) de execução de obra - Ónus da prova
4.2.2.4.1. Existência e causa dos defeitos

Lê-se no art. 1208.º do CC que «o empreiteiro deve executar a obra em conformidade com o que foi convencionado, e sem vícios que excluam ou reduzam o valor dela, ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato».
Logo, as condições a respeitar na execução da obra são, em primeiro lugar, as convencionadas, expressa ou tacitamente, sendo usual encontrarem-se vertidas no caderno de encargos, onde se fixam, «em maior ou menor escala, as condições jurídicas e técnicas a que deve obedecer a execução da obra, nomeadamente as que respeitam à construção (planos, perfis, alçados, cortes, cotas de referência, etc.), à qualidade dos materiais a empregar, à responsabilidade do empreiteiro, às alterações e rectificações do projecto, ao preço e forma do seu pagamento, às penalidades, aos prazos para começar e terminar a obra».
Contudo, e para além do convencionado, importa ainda que o empreiteiro cumpra «as regras da arte “que respeitem não só à segurança, à estabilidade e à utilidade da obra, mas também à forma e aspecto estético, nos caso e nos limites em que estes últimos factores são de considerar” (Rubino, ob. cit., nº 116)».
Emergem, assim, exigências próprias derivadas do fim ou uso da obra, já que a sua «finalidade (…) pode, só por si, criar exigências especiais», sendo que «quando o fim ou o uso da coisa não tenham sido especialmente determinado no contrato, é de harmonia com o uso ordinário ou o fim normal das coisas do género previsto que a obra deve ser executada».
Por fim, «para além das directrizes fixadas no contrato e das resultantes do fim ou uso da obra, há que contar ainda com as numerosas regras que, sobretudo em matéria de construções urbanas, constam de leis e regulamentos especiais» (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, II Volume, 3.ª edição, Coimbra Editora, Limitada, 1986, págs. 791 e 792, com bold apócrifo).
Reafirma-se, aqui, a noção híbrida de «defeito», isto é, simultaneamente objectiva (em que aquele corresponderá a um desvio à qualidade normal das coisas daquele tipo), e subjectiva (em que corresponderá a uma desadequação ao fim, implícita ou explicitamente estabelecido no contrato, a uma falta de qualidade que o credor, por força daquele contrato, poderia legitimamente esperar).
«Assim sendo, os vícios correspondem a imperfeições relativamente à qualidade normal, enquanto que as desconformidades são discordâncias com respeito ao fim acordado. O conjunto dos vícios e das desconformidades constituem os defeitos da coisa. Os dois elementos fazem parte do conteúdo do defeito, determinam-se através do contrato e dependem da interpretação deste» (Pedro Romano Martinez, Cumprimento Defeituoso Em Especial Na Compra e Venda e Na Empreitada, Colecção Teses, Almedina, pág. 185).
*
De forma idêntica se dispõe no art. 2.º do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril, onde se lê que «o vendedor tem o dever de entregar ao consumidor bens que sejam conformes com o contrato de compra e venda» (n.º 1); e «presume-se que os bens de consumo não são conformes com o contrato se» não forem «conformes com a descrição que deles é feita pelo vendedor ou não possuírem as qualidades do bem que o vendedor tenha apresentado ao consumidor como amostragem ou modelo», ou não sejam «adequados ao uso específico para o qual o consumidor os destine e do qual tenha informado o vendedor quando celebrou o contrato e que o mesmo tenha aceitado», ou não sejam «adequados às utilizações habitualmente dadas aos bens do mesmo tipo», ou não apresentem «as qualidades e o desempenho habituais nos bens do mesmo tipo e que o consumidor pode razoavelmente esperar, atendendo à natureza do bem e, eventualmente, às declarações públicas sobre as suas características concretas feitas pelo vendedor, pelo produtor ou pelo seu representante, nomeadamente na publicidade ou na rotulagem» (n.º 2).
Estas presunções (parâmetros para, na falta de cláusulas específicas, determinar a coisa contratualmente devida), «abrangentes de situações as mais correntes, valem como regras legais de integração do negócio jurídico, destinadas a precisar o que é devido contratualmente na ausência ou insuficiência de cláusulas que adrede fixem as características e qualidades da coisa a entregar ao consumidor em execução do programa negocial adoptado pelas partes» (João Calvão da Silva, Venda de Bens de Consumo. Comentário, 3.ª edição, Almedina, pág. 60).
Mais se lê, no art. 3.º do diploma citado, que o «vendedor responde perante o consumidor por qualquer falta de conformidade que exista no momento em que o bem lhe é entregue» (n.º 1); e as «faltas de conformidade que se manifestem num prazo de dois ou de cinco anos a contar da data de entrega de coisa móvel corpórea ou de coisa imóvel, respectivamente, presumem-se existentes já nessa data, salvo quando tal for incompatível com a natureza da coisa ou com as características da falta de conformidade».
Ora, é esta necessária identidade entre a coisa entregue (pelo vendedor) e a coisa objecto do prévio acordo de vontades (entre aquele e o comprador) que foi precisamente acentuada neste diploma.
Com efeito, refere-se desde logo no seu Preâmbulo que «entre as principais inovações, há que referir a adopção expressa da noção de conformidade com o contrato, que se presume não verificada sempre que ocorrer algum dos factos descritos no regime agora aprovado».
Operou-se, assim, um inegável alargamento do âmbito do cumprimento defeituoso, previsto inicialmente no CC.
*
4.2.2.4.2. Ónus da prova (da existência e da causa dos defeitos)

Ora, é pacífico, mesmo indiscutível, que o ónus da prova da existência dos defeitos recai sobre o dono da obra (aplicando-se a regra geral do art. 342.º, n.º 1 do CC).

Contudo, e quanto à causa dos defeitos, já não cumpre ao dono da obra prová-la, e muito menos obviamente as causas técnicas dos defeitos.
Com efeito, «o dono da obra não tem (…) de provar que o defeito, oculto à data da entrega da obra, que nesta se vem a verificar, se deve à execução da empreitada, à conceção do projeto ou à implantação deste no solo: apenas lhe cabe provar a existência do defeito, na parte do prédio em que interveio, e a sua gravidade. O resto, isto é, a prova dos factos excludentes da responsabilidade do empreiteiro pelo facto danoso assim verificado, é com o empreiteiro. O entendimento inverso (ao dono da obra caberia provar, não só o defeito da obra na sua expressão material, mas também aquilo que a originou a fim de se determinar se é ou não imputável ao empreiteiro) levaria, sem qualquer justificação racional, a onerar o credor com uma prova que, nos termos gerais, não lhe cabe suportar» (Lebre de Freitas, «O Ónus de Denunciar o Defeito da Empreitada no Artigo 1225.º do Código Civil; o Facto e o Direito na Interpretação dos Documentos», Estudos sobre o Direito Civil e o Processo Civil, Coimbra Editora, 2002, págs. 191-244, designadamente pág. 202 - com bold apócrifo -, também publicado em O Direito, 1999, I e II, págs. 231-281).
Pode, pois, afirmar-se que é hoje consensual na doutrina e na jurisprudência que, em caso de incumprimento defeituoso da prestação, incumbe ao dono da obra a prova da existência do defeito, enquanto incumbe ao empreiteiro a prova de que o defeito não deriva de má execução da obra (16).

Dir-se-á ainda que, e ao contrário do regime geral de previsto no art. 799.º, n.º 1 do CC (em que o devedor pode ilidir a presunção de culpa no incumprimento respectivo), no caso do contrato de empreitada, se a obrigação prevista no art. 1208.º do CC for violada, existindo vício na obra, o empreiteiro sujeita-se às sanções dos artigos 1221º e seguintes, sem ser admitido a provar que não teve culpa.
Com efeito, e «”como escreve Vaz Serra (ob. cit., nº 19), o empreiteiro, obrigando-se a executar a obra sem defeitos, deve executá-la isenta deles, e responde, portanto, mesmo que o defeito não resulte de culpa sua. Ele é que é o técnico da arte e deve, por conseguinte, saber, quando se obriga, se lhe é ou não possível fazer a obra sem vícios”. Talvez mais rigorosamente se pode dizer que há sempre culpa por parte do empreiteiro, quanto aos defeitos, salvo se tiver ocorrido caso fortuito para que este não tenha contribuído, que impediu a construção da obra sem vícios. Salvam-se ainda, é claro, os casos em que os defeitos provêem dos projectos fornecidos pelo dono da obra ou de instruções deste (cfr. Vaz Serra, loc. cit.)» (Fernando Andrade Pires de Lima e João de Matos Antunes Varela, ob. cit., pág. 817, com bold apócrifo).
*
4.2.2.5. Caso concreto

Concretizando, verifica-se que os Autores recorrentes (M. P. e mulher, A. C.) pretenderam impugnar, no seu recurso, o facto não provado enunciado sob a alínea K), d): «O mencionado no ponto 24) ocorreu devido às seguintes causas: - A Lavagem final do revestimento foi feita com produtos à base de ácido».
Com efeito, tendo ficado assente no facto provado enunciado sob o número 24 a existência de defeitos da obra («fissuras no revestimento de marmorite», «o acabamento final não aderiu às camadas imediatamente subsequentes, pois ao bater nota-se que está descolado», e «o revestimento final (marmorite) que deveria ter uma cor homogénea, apresenta manchas de várias tonalidades»), não se apurou porém quais as causas desses defeitos.
Precisando, não se provaram nem as causas dos defeitos que os Autores imputaram à Ré (X - Construções Unipessoal, Limitada), conforme facto não provado enunciado sob a alínea k) («falta de tratamento das fissuras existentes aquando da execução do reboco, através de reboco armado», «o revestimento anterior não foi retirado», «a espessura aplicada não foi a adequada», «a lavagem final do revestimento foi feita com produtos à base de ácido»), nem as ditas causas que a Ré imputou aos Autores, conforme facto não provado enunciado sob a alínea L) («humidade existente nas paredes», «falta de aplicação de reboco novo na sua totalidade»).
Pretenderiam, agora, os Autores (M. P. e mulher, A. C.) inverter esse sentido de prova, deixando demonstrado que os defeitos em causa teriam resultado de uma actuação indevida da Ré (X - Construções Unipessoal, Limitada), no caso a lavagem final do revestimento com produtos à base de ácido.

Contudo, não sendo eles os onerados com essa prova, mas sim a Ré (X - Construções Unipessoal, Limitada) com a demonstração de que os defeitos efectivamente apurados não resultaram da má execução da obra (isto é, do incumprimento da sua prestação) - o que ficou por fazer -, torna-se desnecessário para o desfecho da acção aquela sindicância (face à ausência de outro recurso sobre a matéria de facto, nomeadamente da Ré).
Por outras palavras, a demonstração do facto não provado enunciado sob a alínea K) (em qualquer uma das suas subalíneas) é irrelevante para alterar a decisão de mérito dos autos, uma vez que a sua não prova, conjugada com a não demonstração do facto não provado enunciado sob a alínea L) - que a Ré não impugnou - conduz precisamente ao mesmo resultado.

Declara-se, assim, prejudicado o conhecimento do recurso dos Autores (M. P. e mulher, A. C.), no que tange ao pedido de alteração da matéria de facto, por ser irrelevante para a decisão do mérito da causa.
*
V - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Não se discutindo nos autos a qualificação do contrato havido entre os Autores e a Ré como contrato de empreitada, resultando já da análise anterior feita a existência de defeitos (ónus de prova que os Autores cumpriram), a imputação dos mesmos à má execução da obra (por a Ré não ter cumprido o ónus de prova que a onerava, de demonstração do seu contrário, e se presumir inelutavelmente a sua culpa), resta verificar se os Autores possuem os direitos que reclamaram: de verem eliminados pela Ré (X - Construções Unipessoal, Limitada) os ditos defeitos; e de serem indemnizados pelo sofrimento com toda esta situação, no valor de € 2.500,00.
*
5.1. Direitos do dono da obra pelos defeitos verificados

5.1.1.1. Regime geral - CC

O não cumprimento das obrigações referidas no art. 1208º do CC importa necessariamente consequências para o devedor (empreiteiro), as quais, contudo, não conferem inteiramente com as soluções tradicionais.
Com efeito, «apesar de nos encontrarmos perante uma situação de incumprimento, o facto de já ter sido desenvolvida uma actividade e atingido um determinado resultado (não inteiramente coincidente com o resultado exigível, mas que pode ser aproveitado na obtenção final e desejada da obra acordada) limita o eficaz funcionamento das consequências tradicionais legalmente previstas para o cumprimento das obrigações - a resolução do contrato e/ou o pagamento duma indemnização. Nesta situação, os diferentes interesses de ambas as partes exigem um maior e inovador leque de soluções. Por um lado, deve permitir-se ao interessado na realização da obra a sua plena efectivação, sem custos acrescidos e no prazo mais aproximado possível da data prevista para a sua conclusão; por outro lado, não se pode descurar totalmente o interesse do realizador da obra na valorização da actividade desenvolvida e na definição rápida do conteúdo e limites da sua responsabilidade» (João Cura Mariano, Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, Almedina, págs. 12 e 13, com bold apócrifo).
Consagram-se assim, como direitos do dono da obra, face ao cumprimento defeituoso do empreiteiro: o direito à eliminação dos defeitos ou, não sendo esta possível, uma nova construção (art. 1221.º), ou ainda, não sendo eliminados os defeitos ou construída de novo a obra, a redução do preço acordado inicialmente para a empreitada (art. 1222.º), ou a resolução do contrato, quando aqueles defeitos tornem a obra inadequada ao fim a que se destina; e o exercício de quaisquer destes direitos não exclui ainda o direito do empreiteiro ser indemnizado nos termos gerais, pelos danos sofridos (arts. 1223.º e 1225.º, todos do CC).

Precisa-se, porém, que tendo-se no nosso sistema jurídico consagrado a primazia do dever de cumprimento sobre a responsabilidade contratual, enquanto for possível o cumprimento da prestação acordada (v.g. por eliminação do defeito, ou através da substituição da obra), não é possível a redução do preço ou a resolução do contrato (já que estas exigências são colocadas em vez da prestação de cumprimento).
Por outras palavras, «no sistema jurídico português há uma espécie de sequência lógica: em primeiro lugar, o devedor está adstrito a eliminar os defeitos ou a substituir a prestação; frustrando-se estas pretensões, pode ser exigida a redução do preço ou a resolução do contrato» (Pedro Romano Martinez, Cumprimento Defeituoso Em Especial Na Compra e Venda e Na Empreitada, Colecção Teses, Almedina, 1994, págs. 441 e 442, com bold apócrifo).

Precisa-se, por fim, que o direito de eliminação de defeitos ou de nova construção, terá, porém, que ser exercido primeiro junto do empreiteiro, e não directamente junto de terceiros, o que se compreende face à especial natureza do contrato de empreitada: o art. 1221.º, n.º 1 e n.º 2 do CC «não confere o dono da obra o direito de, por si ou por intermédio de terceiro, eliminar os defeitos ou reconstruir a obra à custa do empreiteiro», já que a lei é clara ao referir «que é ao empreiteiro que pode ser exigida a eliminação dos defeito ou a reconstrução da obra. (…)
O regime aplicável é, pois, o do artigo 828.º, que aliás é o mais razoável, na medida em que salvaguarda legítimos interesses do empreiteiro sem prejudicar o direito fundamental do dono da obra. Só em execução se pode pedir que o facto seja prestado por outrem à custa do devedor. A lei supõe uma condenação prévia do empreiteiro, na sequência da qual o dono pode exigir a eliminação do defeito ou nova construção por terceiro, à custa de devedor, ou indemnização pelos danos sofridos» (Fernando Andrade Pires de Lima e João de Matos Antunes Varela, ob. cit., pág. 820, com bold apócrifo).
*
5.1.1.2. Regime especial - Contrato de empreitada de consumo

Lê-se no art. 4.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 08 de Abril, que, em «caso de falta de conformidade do bem com o contrato, o consumidor tem direito a que esta seja reposta sem encargos, por meio de reparação ou de substituição, à redução adequada do preço ou à resolução do contrato».
Mais se lê, no art. 1.º-B, al. h), do mesmo diploma, que «reparação», «em caso de falta de conformidade do bem», é «a reposição do bem de consumo em conformidade com o contrato».
Logo, reafirma-se aqui um regime em tudo idêntico ao do CC.

Precisa-se, porém, no citado art. 4.º que, tratando-se «de um bem imóvel, a reparação ou a substituição devem ser realizadas dentro de um prazo razoável, tendo em conta a natureza do defeito, (…) sem grave inconveniente para o consumidor» (n.º 2); e a «expressão “sem encargos”, utilizada no n.º 1, reporta-se às despesas necessárias para repor o bem em conformidade com o contrato, incluindo, designadamente, as despesas de transporte, de mão-de-obra e material» (n.º 3).
Logo, reforça-se o regime de protecção conferido pelo CC, robustecendo os direitos resultantes do direito de reparação da obra.

Ainda no mesmo art. 4.º, afirma-se que os «direitos de resolução do contrato e de redução do preço podem ser exercidos mesmo que a coisa tenha perecido ou se tenha deteriorado por motivo não imputável ao comprador» (n.º 4); e que o «consumidor pode exercer qualquer dos direitos referidos nos números anteriores, salvo se tal se manifestar impossível ou constituir abuso de direito, nos termos gerais» (n.º 5).
Defende-se, por isso, que o regime resultante do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril, não efectua qualquer hierarquização dos direitos que o consumidor pode exercer, afastando-se do regime previsto no CC: o consumidor pode eleger o meio mais conveniente para os seus interesses, opção que só é afastada em caso de impossibilidade ou de abuso de direito (17).
Logo, não impondo o regime especial do contrato de empreitada de consumo que os direitos resultantes dos defeitos da obra sejam exercidos de forma subsidiária, poderão ser desde logo exercidos de forma alternativa, à escolha do consumidor.
*
5.1.2. Caso concreto (subsunção ao Direito aplicável)

Concretizando, verifica-se que, tendo a obra dos autos sido realizada com defeitos (conforme facto provado enunciado sob o número 24), e não tendo a Ré (X - Construções Unipessoal, Limitada) conseguido demonstrar não serem os mesmos imputáveis à má execução da obra, nomeadamente por serem devidos a outras causas a que seria estranha (facto não provado enunciado sob a alínea L) ), têm os Autores direito à sua eliminação por ela, conforme peticionaram nos autos a título principal.
Essa eliminação deverá ocorrer em prazo razoável, tendo em conta a natureza dos defeitos, sabido já que pressupõe a remoção da marmorite existente e colocação de novo marmorite (facto provado enunciado sob o número 31); e sem quaisquer encargos para os Autores.

Mostra-se, pois, também nesta parte procedente o recurso dos Autores (M. P. e mulher, A. C.).
*
5.2. Indemnização de danos não patrimoniais
5.2.1. Danos indemnizáveis - Critérios de Determinação da Indemnização

Lê-se no art. 496.º, n.º 1 do CC que, «na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito», aqui se incluindo aqueles que afectem profundamente os valores ou interesses da personalidade física ou moral.
Contudo, a gravidade do dano não patrimonial indemnizável deverá ser aferida por um padrão objectivo (embora tendo em conta as circunstâncias do caso concreto), e não por um padrão subjectivo, derivado de uma sensibilidade especialmente requintada ou exacerbada ou, pelo contrário, particularmente embotada (João de Matos Antunes Varela, Direito das Obrigações, Volume. I, 7.ª edição, Livraria Almedina, pág. 576).

Lê-se ainda, no n.º 4 do art. 496º citado, que «o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º», isto é, o «grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado, e as demais circunstâncias do caso» (mormente, o tipo de lesões registadas e o sofrimento daí resultante), sem esquecer os padrões adoptados pela jurisprudência e a flutuação da moeda.
Logo, o critério fundamental de fixação desta indemnização por danos não patrimoniais é a equidade, cujo julgamento «é sempre o produto de uma decisão humana que visará ordenar determinado problema perante um conjunto articulado de proposições objectivas; distingue-se do puro julgamento jurídico por apresentar menos preocupações sistemáticas e maiores empirismo e intuição» (António Menezes Cordeiro, O Direito, 122º, pág. 272) (18). Opera, por isso, como um mecanismo de adaptação da lei geral às circunstâncias do caso concreto (só o juiz - e não a lei abstracta - o podendo fazer).
Quanto à situação económica do autor do facto lesivo e da vítima, terão que ser ponderados «no contexto da situação económica do cidadão médio e do significado do bem jurídico afectado para a vida em sociedade» (Abrantes Geraldes, Temas da Responsabilidade Civil, Vol. II, Indemnização dos Danos Reflexos em Geral, 2ª edição, Almedina, pág. 24).
Relativamente às demais circunstâncias do caso, atende-se aqui nomeadamente às lesões registadas e aos sofrimentos que provocaram, tendo necessariamente em conta a idade do lesado.
Por fim, ter-se-ão ainda «em consideração os critérios jurisprudenciais vigentes e aplicáveis a situações semelhantes, face ao que dispõe o art. 8.º, n.º 3, do CC, fazendo-se a comparação do caso concreto com situações análogas equacionadas noutras decisões judiciais, não se perdendo de vista a sua evolução e adaptação às especificidades do caso sujeito» (Ac. do STJ, de 15.04.2009, Raul Borges, Processo n.º 08P3704, com bold apócrifo).

Dir-se-á, por tudo, que não se trata aqui de uma verdadeira indemnização, mas sim da atribuição de certa soma pecuniária, que se julga adequada a compensar e a minorar dores e sofrimentos, mercê das alegrias e satisfações que a mesma pode proporcionar.
Por outras palavras, os «interesses cuja lesão desencadeia um dano não patrimonial são infungíveis, não podem ser reintegrados por equivalente. Mas é possível, em certa medida, contrabalançar o dano, compensá-lo mediante satisfações derivadas do dinheiro. Não se trata, portando, de atribuir ao lesado “um preço de dor” ou “um preço de sangue”, mas de lhe proporcionar uma satisfação, em virtude da aptidão do dinheiro para propiciar a realização de uma ampla gama de interesses, na qual se podem incluir interesses de ordem refinadamente ideal» (Carlos Alberto da Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 3.ª edição, Coimbra Editora, 1991, pág. 115).
Tal reparação reveste mesmo uma natureza mista, visando, por um lado, compensar (mais até do que indemnizar) os danos não patrimoniais sofridos pelo lesado; e, por outro, não lhe é estranha a ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico, com os meios adequados do direito civil, a conduta do agente (assim também se compreendendo o apelo, feito no art. 496.º, n.º 4 do CC, ao «grau de culpabilidade do agente»).
Contudo, precisa-se que esta vertente secundária (sancionatória, de pena privada), face à vertente principal (essencialmente compensatória), apenas tem pleno sentido nos casos de responsabilidade civil em que o autor do dano é, simultaneamente, o efectivo pagador da indemnização, não se intrometendo um terceiro, estranho ao facto lesivo, com quem foi contratualizada a transferência da responsabilidade (v.g. mormente, as empresas seguradoras).
Reconhece-se, porém, que: da «conjugação do art. 496.º com o 494.º para que remete, verifica-se que a indemnização deve antes de mais ser ajustada à gravidade da ofensa (dentro do critério geral da restauração, quanto possível, da situação que existiria se não fosse a ofensa) e ao grau de culpa do agente», e «só depois a situação económica e outras circunstâncias do caso» (Ac. da RC, de 16.01.2008, Belmiro Andrade, Processo n.º 555/04.0GTAVR.C1); todos estes elementos de ponderação implicam uma certa dificuldade de cálculo, com o inerente risco de nunca se estabelecer uma indemnização rigorosa e precisa (Ac. do STJ, de 16.04.1991, Cura Mariano, BMJ, n.º 406, pág. 618).
No entanto, há muito que se defende que deve ter um alcance real e não meramente simbólico, por forma a que se atinja um justo grau de “compensação”, sendo «mais que tempo, conforme jurisprudência que, hoje, vai prevalecendo, de se acabar com miserabilismos indemnizatórios. A indemnização por danos patrimoniais deve ser correcta, e a compensação por danos não patrimoniais deve tender, efectivamente, a viabilizar um lenitivo ao lesado, já que tirar-lhe o mal que lhe foi causado, isto, neste âmbito, já ninguém nem nada consegue ! Mas - et pour cause - a compensação por danos não patrimoniais deve ter um alcance significativo, e não meramente simbólico. Aliás, é nesta linha que se encontra, como é do conhecimento geral, o contínuo aumento dos seguros obrigatórios estradais e dos respectivos prémios» (Ac. do STJ, de 16.12.1993, Cardona Ferreira, CJ, 1993, Tomo III, pág. 182, com bold apócrifo) (19).
Este juízo sai reforçado se, conforme o «considerou o Acórdão deste Supremo Tribunal, de 19 de Abril de 2012 (proc. n.º 3046/09.0TBFIG.S1, acessível em www.dgsi.pt)», destacarmos «a nossa inserção no espaço político, jurídico, social e económico correspondente à União Europeia e o maior relevo que vem sendo dado aos direitos de natureza pessoal, tais como o direito à integridade física e à qualidade de vida, e, bem assim, que a jurisprudência deste mesmo Supremo Tribunal tem evoluído no sentido de considerar que a indemnização em causa deve constituir um lenitivo para os danos suportados e não ser orientada por critérios hoje considerados miserabilistas, por forma a, respondendo actualizadamente ao comando do artigo 496º, traduzir uma efectiva possibilidade compensatória para os danos suportados e a suportar» (Ac do STJ, de 18.06.2015, Fernanda Isabel Pereira, Processo n.º 2567/09.9TBABF.E1.S1).
*
5.2.2. Caso concreto (subsunção ao Direito aplicável)

Concretizando, verifica-se que, tendo-o os Autores (M. P. e mulher, A. C.) alegado, provaram que o Autor se sente angustiado e revoltado com a actuação da Ré (X - Construções Unipessoal, Limitada), bem como enganado por ela (facto provado enunciado sob o número 32), o que porém não se provou relativamente à Autora (facto não provado enunciado sob a alínea M)); e que ambos sentem desgosto, face aos defeitos registados na sua casa (facto provado enunciado sob o número 33).
Contudo, e salvo o devido respeito por opinião contrária, dir-se-á que, sem mais, se considera que tais factos não revestem a gravidade suficiente para que sejam tidos por indemnizáveis nesta sede.

Com efeito, sendo ambos casados entre si, e vivendo ambos na mesma habitação objecto de reparação defeituosa, só o Autor se sentiu angustiado, revoltado e enganado pela Ré (X - Construções Unipessoal, Limitada), e não também a Autora, o que o afasta dos padrões da exigível normalidade.
Já relativamente ao desgosto de ambos, desta singela forma referido, sendo embora o mesmo compreensível face ao dano diário verificável na casa que é a sua residência habitual, desconhece-se, porém, a respectiva intensidade/gravidade, isto é, se afectou, ou não, profundamente os valores ou interesses da respectiva personalidade física ou moral (v.g. causando-lhes insónias e/ou mau dormir, irritabilidade, instabilidade emocional).
Logo, falece-se o pressuposto que permitiria a indemnização dos danos morais registados pelos Autores (a sua reconhecida gravidade)

Mostra-se, pois, nesta parte improcedente o recurso dos Autores (M. P. e mulher, A. C.).
*
Deverá, assim, decidir-se em conformidade, pela parcial procedência, e parcial improcedência, do recurso de apelação interposto pelos Autores (M. P. e mulher, A. C.).
*
VI - DECISÃO

Pelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar parcialmente procedente e parcialmente improcedente, o recurso de apelação interposto pelos Autores (M. P. e mulher, A. C.) e, em consequência, em

· Revogar a sentença recorrida, condenando agora a Ré (X - Construções Unipessoal, Limitada) a eliminar, em prazo razoável, tendo em conta a sua natureza, os defeitos verificados na obra realizada na moradia dos Autores (o que pressupõe a remoção da marmorite existente e colocação de novo marmorite), sem quaisquer encargos para os mesmos;

· Absolver a Ré (X - Construções Unipessoal, Limitada) do demais peticionado contra si pelos Autores.
*
Custas da apelação pelos Autores e pela Ré, na proporção dos respectivos decaimentos (art. 527.º, n.º 1 e n.º 2 do CPC).
*
Guimarães, 22 de Outubro de 2020.

O presente acórdão é assinado electronicamente pelos respectivos

Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos;
1.º Adjunto - José Alberto Martins Moreira Dias;
2.º Adjunto - António José Saúde Barroca Penha.



1. No mesmo sentido, Fernando Andrade Pires de Lima e João de Matos Antunes Varela, Código Civil Anotado, II Volume, 3.ª edição, Coimbra Editora, Limitada, 1986, pág. 826.
2. Neste sentido, Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Volume III, 10.ª edição, Almedina, pág. 562.
3. Neste sentido, Ac. da RP, de 16.05.2016, Manuel Domingos Fernandes, Processo n.º 263/13.1T2ILH.P1, onde se lê que «sendo unânime que o regime do Dec. Lei n.º 67/2003 é aplicável ao contrato de construção de imóvel, desde que o dono da obra seja consumidor, não se vislumbram que razões é que justificam que o mesmo regime não seja aplicável quando o dono da obra contrata a reparação do imóvel, na medida em que o que releva é que se esteja perante uma relação de consumo entre o dono da obra e o empreiteiro». Ainda, Ac. da RP, de 08.05.2014, Leonel Serôdio, Processo n.º 298/11.9TBPFR.P1, e Ac. da RG, de 14.02.2019, Alcides Rodrigues, Processo n.º 995/16.2T8BGC.G2. Porém, em sentido contrário, João Cura Mariano, Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos defeitos da obra, 6.ª edição, Almedina, 2015, pág. 205, onde se defende que a actual formulação do artigo 1.º-A n.º 2 do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 08 de Abril, «parece continuar a excluir os contratos de empreitada em que não é fornecido, produzido ou criado um bem, incidindo as obras de reparação, limpeza, manutenção ou destruição sobre um bem pré-existente, até por o regime do referido diploma está construído intencionalmente para situações em que exista a entrega dum bem a um consumidor por um profissional». Ainda Jorge Morais de Carvalho, Manual de Direito de Consumo, 5.ª edição, 2018, Almedina, pág. 267, onde se lê que, quando «a lei se refere a bens de consumo fornecidos no âmbito de um contrato de prestação de serviços abrange apenas, dentro destes contratos, aqueles em que é entregue ao consumidor um bem, no sentido de coisa, de que este não dispunha anteriormente. O diploma não se aplica portanto a todos os contratos de empreitada, mas apenas àqueles em que está em causa uma obra nova não resultante de atividade predominantemente intelectual e que consista num resultado positivo». Na jurisprudência, Ac. da RG, de 14.04.2016, Maria Purificação Carvalho, Processo n.º 432/10.6TBCHV.G1, onde se defende que a formulação do art. 1-A, n.º 2, introduzido pelo D.L. nº 84/2008, «parece continuar a excluir os contratos de empreitada em que não é fornecido, produzido ou criado um bem».
4. Neste sentido, João Cura Mariano, Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos defeitos da obra, 6.ª edição, Almedina, 2015, pág. 263.
5. Conforme Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2020, https://dicionario.priberam.org/moradia [consultado em Outubro de 2020].
6. No mesmo sentido, Ac. da RP, de 27.06.2019, Judite Pires, Processo n.º 5281/16.5T8MTS.P1.
7. Era aos Autores que cabia o respectivo ónus, «dado que o sub-tipo contratual da empreitada de consumo tem normas mais favoráveis à posição contratual do dono da obra (tendo em conta que, em condições normais, será o beneficiado com a aplicação deste regime)», conforme Ac. da RP, de 08.05.2014, Leonel Serôdio, Processo n.º 298/11.9TBPFR.P1.
8. No mesmo sentido, José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 1.º, 3.ª edição, Coimbra Editora, Setembro de 2014, págs. 17 e 18, onde se lê que, sendo o facto complemento de uma causa petendi complexa ou concretização de conceitos de direito, pressupõe sempre «que a causa de pedir ou exceção está individualizada, mediante alegação fáctica suficiente para o efeito (diverso é o caso de ineptidão da petição inicial por falta total de factos que integrem a causa e pedir: art. 186-2-a), mas não completa, por não terem sido alegados todos os factos necessários à integração da previsão normativa. Qualquer destes factos integradores da previsão da norma pode surgir em ato de instrução, sendo todos eles entre si permutáveis no papel de complementares: o facto só é complementar por não ter sido inicialmente alegado, não tendo natureza diversa dos que as partes alegaram nos articulados».
9. Lia-se no art. 264º, n.º 3 do CPC de 1961, que os factos essenciais complementares ou concretizadores que resultassem da instrução e discussão da causa seriam considerados pelo juiz «desde que a parte interessada manifeste vontade de dele se aproveitar e à parte contrária tenha sido facultado o exercício do contraditório».
10. No mesmo sentido, da consideração oficiosa de tais factos, Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, 2013, Volume I, Almedina, Outubro de 2013, págs. 39 e 40; e Rui Pinto, Nota ao Código de Processo Civil, Volume I, 2.ª edição, Coimbra Editora, Novembro de 2015, págs. 30-32. Contudo, em sentido contrário, José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 1.º, 3.ª edição, Coimbra Editora, Setembro de 2014, pág. 18, defendendo que esta é a solução «que impõe o princípio do dispositivo».
11. Neste sentido, menos exigente, Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, 2013, Volume I, Almedina, Outubro de 2013, pág. 41, onde se lê que «para que a parte tenha a possibilidade de se pronunciar, não é necessário que o juiz despache no sentido de lhe ser dada a palavra para o efeito. Num sistema jurídico democrático, como o nosso, onde a qualquer momento o mandatário pode formular requerimentos (art. 75º, nº 1, do EOA), basta que nenhum constrangimento a estes direitos e faculdades gerais exista para que a parte tenha a possibilidade de se pronunciar».
12. Neste sentido, mais exigente, aparentemente António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, O Código de Processo Civil Anotado, Volume I, Almedina, 2018, pág. 29, quando afirmam que «pode afirmar-se como mais consentânea com os princípios processuais e designadamente com a proibição de decisões-surpresa a posição que defende que o juiz deve anunciar às partes, antes do encerramento da audiência, que está a equacionar utilizar esse mecanismo de ampliação da matéria de facto». Ainda Rui Pinto, Nota ao Código de Processo Civil, Volume I, 2.ª edição, Coimbra Editora, Novembro de 2015, pág. 32, onde se lê que sempre «que o tribunal pretender adquirir oficiosamente para o processo factos complementares deve notificar as partes para se pronunciarem». Na jurisprudência, Ac. da RP, de 30.05.2015, Aristides Rodrigues de Almeida, Processo n.º 5800/13.9TBMTS.P1, onde se lê «as partes só podem ser confrontadas com esse poder oficioso do juiz quando as circunstâncias processuais concretas permitirem afirmar que as partes tinham a obrigação de contar com essa possibilidade, o que pressupõe sempre, no mínimo, o anúncio pelo tribunal, antes do encerramento da audiência, de que está a equacionar usar esse mecanismo de ampliação da matéria de facto. Enfatiza-se que se trata «no fundo de salvaguardar a confiança que é necessário ter quanto ao conteúdo dos actos do processo e de não impor aos mandatários graus de diligência e atenção absolutos, exigindo-lhes que a todo o momento prevejam todas as hipóteses e levem o esforço probatório aos limites apenas para evitar que se o tribunal vier a considerar relevantes outros factos os mesmos resultem provados ou não provados»; que «não se pode excluir que perante um novo facto que interesse à parte contrária mas que, não tendo sido alegado, a parte supunha que não seria considerado pelo tribunal, a parte, sabedora agora da intenção do tribunal de o levar em consideração, possa requerer que o tribunal leve ainda em consideração outro facto que igualmente se lhe afigura poder relevar, agora já não em proveito da parte contrária mas ao arrepio dos seus interesses».
13. Neste sentido, Ac. da RG, de 14.04.2016, Maria Purificação Carvalho, Processo n.º 432/10.6TBCHV.G1, onde se lê que, revertendo «ao caso dos autos, temos que o “uso não profissional” é algo que “por defeito” pode/deve ser atribuído à dona da obra a propósito do qual não há qualquer indício dum “uso profissional”, traduzindo-se a obra na construção de uma moradia para habitação permanente».
14. A exigência de rigor, no cumprimento do ónus de impugnação, manifestou-se igualmente a propósito do art. 685º-B, n.º 1, al. a), do anterior CPC, de 1961, conforme Ac. da RC, de 11.07.2012, Henrique Antunes, Processo n.º 781/09, onde se lê que este «especial ónus de alegação, a cargo do recorrente, deve ser cumprido com particular escrúpulo ou rigor», constituindo «simples decorrência dos princípios estruturantes da cooperação e lealdade e boa fé processuais, assegurando, em última extremidade, a seriedade do próprio recurso».
15. No mesmo sentido, Ac. da RC, de 14.01.2014, Henrique Antunes, Processo n.º 6628/10.3TBLRA.C1, onde se lê que, de «harmonia com o princípio da utilidade a que estão submetidos todos os actos processuais, o exercício dos poderes de controlo da Relação sobre a decisão da matéria de facto da 1ª instância só se justifica se recair sobre factos com interesse para a decisão da causa (artº 137 do CPC de 1961, e 130 do NCPC)», pelo que se «o facto ou factos cujo julgamento é impugnado não forem relevantes para nenhuma das soluções plausíveis de direito da causa é de todo inútil a reponderação da decisão correspondente da 1ª instância»; e isso «sucederá sempre que, mesmo com a substituição, a solução o enquadramento jurídico do objecto da causa permanecer inalterado, porque, por exemplo, mesmo com a modificação, a factualidade assente continua a ser insuficiente ou é inidónea para produzir o efeito jurídico visado pelo autor, com a acção, ou pelo réu, com a contestação».
16. Neste sentido, Pedro Romano Martinez, Cumprimento Defeituoso, em especial na Compra e Venda e na Empreitada, Colecção Teses, Almedina, págs. 356 a 359; João Cura Mariano, Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, 2.ª edição, Almedina, págs. 76 e 77; e Rui José Simões de Sá Gomes, «Breves Notas sobre o cumprimento defeituoso no contrato de empreitada», AV BVO AD OMNES, 75 anos da Coimbra Editora, págs. 605 e 606. Na jurisprudência, Ac. do STJ, de 05.07.2012, Salazar Casanova, Processo n.º 2722/03.5TCSNT.L1.S1, e Ac. da RC, de 24.12.2015, Maria João Areias, Processo n.º 735/11.2TBFND.C1.
17. Neste sentido, Luís Manuel Teles Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Volume III, 3.ª edição, Almedina, págs. 151 a 154. Contudo, e ainda assim, outros entendem que «o consumidor tem o poder-dever de seguir primeiramente e preferencialmente a via da reposição da conformidade devida (pela reparação ou substituição da coisa) sempre que possível e proporcionada, em nome da conservação do negócio jurídico, tão importante numa economia de contratação em cadeia, e só subsidiariamente o caminho da redução do preço ou resolução do contrato» (João Calvão da Silva, Venda de Bens de Consumo. Comentário, 3ª edição, Almedina, pág. 82).
18. No mesmo sentido, Almeida Costa, «Reflexões Sobre a Obrigação de Indemnização», RLJ, 134º, pág. 299, e Vaz Serra, RLJ, 114.º, pág. 310.
19.Reafirmando-o, Ac. do STJ, de 15.04.2009, Raul Borges, Processo n.º 08P3704, já citado, com extensa indicação de outros arrestos.